O telefone tocou às 3 da manhã no descanso dos médicos. Meu doutor atendeu. Sou o esteto dele há 15 anos, conheço todo o tipo de paciente e me considero um elo da conexão médico-paciente. Minha função justifica o meu doutor invadir a distância íntima do paciente, aliás, nasci na França pela necessidade de um exame do coração numa grávida com mamas bem desenvolvidas. Capto sons ocultos e revelo diagnósticos. Tenho um dia-a-dia trabalhoso, mas gratificante. Se fosse escritor, poderia lançar um livro com as histórias interessantes que vivenciei com o meu doutor. Já ouvi que ele que está com vontade, quem sabe um dia…
Eu estava em cima da mesa bem ao lado do telefone, ouvi tudo.
– Alô!
-É a dona Maria, a paciente que vocês atendem aí no hospital, o senhor me deu uma receita com uns remédios para eu tomar…
– Dona Maria… Não me lembro…
-É o doutor, né? Lembra sim, o senhor estava de jaleco branco, foi muito atencioso, me chamava sempre pelo nome e se despediu dizendo que desejava me rever em um mês, muito gentil.
-A senhora me desculpe, mas é que por coincidência, nesta semana eu atendi outras pacientes também chamadas Maria. É Maria do que?
-Só Maria, minhas irmãs que são Maria Aparecida e Maria José, e meu irmão ao contrário, José Maria Aparecido, eu sou só Maria.
– Não importa. Dona Maria o que é que está acontecendo a esta hora, será que eu me esqueci de lhe receitar um remédio para insônia?
Conheço o meu doutor, ele já estava irado. Percebeu que não voltaria mais a dormir, que era melhor ir rever os pacientes e me pôs no ombro com a mão que não segurava o telefone e que estava quase brigando com a outra para devolver de imediato o bocal ao gancho. Então, só pude ouvir o meu doutor.
-Não com a senhora? Quem?… Píndaro?
-O quê?
-Ele tomou os comprimidos de digoxina? Tomou quantos?
-Uns quatro?
-O Píndaro está amarelo, dona Maria?
-Verde?
-É melhor a senhora trazê-lo imediatamente, dona Maria, não espere amanhecer.
– Que horas foi que ele tomou?
-Entendi, durante a novela, a senhora não gosta que ele fique por perto porque ele fala muito e atrapalha.
-A propósito, me esqueci de perguntar, quantos anos tem o Píndaro?
-Dois anos?! Dona Maria, traga o Píndaro agora, este remédio mata!
-Não Dona Maria, não se preocupe, a senhora toma só um comprimido por dia. Ele só faz mal se tomar vários comprimidos de uma só vez.
-Traga já seu filho, dona Maria.
-Não é seu filho? É neto?
– Também não?
– Seu pa-pa-ga-io, Dona Maria!!!!