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1067- Proxêmica e beira do leito (Parte 2)

O tema proxêmica e beira do leito traz à tona a semântica do verbo tocar. O exame físico da percussão e da palpação é o toque profissional de uma pele noutra pele, portanto exigente de uma alta expressão de respeito à pessoa.

Por curiosidade, destaco o artigo 12º do Código de Moral Médica (1929): O médico não devera examinar a mulher casada sem a presença de seu marido ou de uma pessoa da família devidamente autorizada e que foi simplificado no Código de Deontologia Médica (1931) para: De preferência, o médico deverá examinar mulher em presença de pessoa interessada e no Código de Deontologia Médica (1945) para É dever do médico examinar mulher, sempre que possível, em presença de terceira pessoa. 

Esta conotação de  orientação ética para o médico do sexo masculino espelha a proporção de não mais de 12% de novos registros de médicas na década de 1960, conforme Mário César Scheffer em seus estudos sobre demografia médica brasileira.

Já a anamnese, este patrimônio inalienável da conexão médico-paciente, representa toque profissional de atenção ao extravasamento verbal do interior do paciente, razão e emoção, e que se comporta como estou disponível para você- exigente, pois, de um período de tempo adequado.

Afinal, o médico não pode contar, comumente, com um paciente treinado para uma correta exposição linear dos acontecimentos e na sua exata valorização clínica, e, por isso, a sabedoria da promoção de auxílio ao paciente por perguntas estratégicas, tanto orientadas pela exposição, quanto habitualmente formuladas independentemente da história (interrogatório complementar).

Em suma, os tempos de anamnese e exame físico associam-se a muitos movimentos do corpo, inconscientes ou deliberados numa curta distância, o que traz a conveniência do entendimento de significados da linguagem corporal na beira do leito, compondo a ciência/arte de proporcionar a devida atenção às necessidades de saúde do paciente.

Os mais atentos já perceberam como um piscar de olhos, o ato de coçar embaixo do nariz e um dar de ombros “falam” e não exatamente sobre a presença de um cisco, de uma alergia ou do incômodo por um mosquito. Os movimentos expressam uma comunicação interpessoal não-verbal.

A Bioética da Beira do leito coleciona: o paciente cruza os braços sobre o peito subitamente como sinal de ter ouvido algo que lhe desagradou; uma midríase bilateral expressa vivo interesse numa recomendação; a retirada dos óculos escuros com que o paciente entrou no consultório indica que ele se pôs à vontade. A inclinação para a frente, um quase debruçar sobre a mesa do médico, com semblante amigável, um tamborilar com os dedos sobre a mesa do médico, uma olhada para o celular com uns toques de busca sinalizam desde interesse, impaciência, até vontade de terminar o face a face.

A Bioética da Beira do leito reforça que os sinais não verbais embora possam trazer a mensagem do paciente de incômodo ou bem-estar, não são, comumente, identificados com clareza na beira do leito pelo profissional da saúde, habitualmente mais atento ao verbal. Em consequência, eventuais generalizações e certos juízos de valor podem resultar dissociados da real expressão não verbal.

A Bioética da Beira do leito motiva-se pelo simbolismo da interação médico-paciente não verbal. Enxerga a linguagem corporal do paciente como um marcador que alerta o “ombusdman” que existe em cada médico prudente.

Neste contexto de espaços, territórios e zonas pessoais e íntimas, um dos pontos de vivo interesse é a eventual invasão do espaço do paciente do tipo menos ser humano e mais coisificado. Por exemplo, quando o atendimento parece resumir-se a uma queixa de dor no hipocôndrio direito e decorrente ato de palpação do fígado em busca de hepatomegalia, dando um tom de ligado a um ser humano por acaso, sem nenhuma emoção, embora possa haver uma máscara facial de comprometimento humano que salva as aparências. Rotinas padronizadas incluem tais comportamentos.

A Bioética da Beira do leito salienta que apesar da intenção de dissimular a indiferença, a sensação negativa que se expõe acaba interferindo intensamente na conexão profissional da saúde-paciente.

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