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1060- Beira do leito política (Parte 3)

De certa maneira, interações entre verdades da tecnociência porque concebidas pela mente humana e da condição humana são políticas porque quando resultam compreendidas estimulam a busca por meios para lidar com os inevitáveis elementos de coerção (entraves a uma liberdade irrestrita) que as verdades carregam consigo.

Um achado diagnóstico num exame de imagem exigente de uma conduta terapêutica é ilustrativo. É situação onde o profissional da saúde precisa ter em mente uma dica filosófica: a virtude tão somente moral faz atuar por dever  e a virtude de cunho ético faz atuar de bom grado. Desta maneira, a ideia de coerção pelo dever reduz-se pelo bom grado. Infelizmente, não faltam situações do cotidiano em que a carência do bom grado exige a lembrança do dever com um clima coercivo.

Bioamigo, evidentemente, a beira do leito não é coisa de político- na acepção que se desenvolveu na sociedade-, mas, reforçando Eisenhower, o profissional da saúde precisa politizar sobre o fato que a ciência de alguma maneira põe em suspeição o senso comum e a linguagem comum. Não poderia ser diferente, já que a ciência na busca – e encontro- de compreensões cria confrontos com a cultura e provoca desencontros de valores. É acontecimento previsível na beira do leito, fonte de convergências e de paradoxos, em decorrência da habitual submissão humana à tecnociência.

Se política requer a linguagem, o Código de Ética Médica vigente escancara a necessidade do uso dialógico da palavra – consigo mesmo e com o outro- em função da questão, eliminada qualquer retórica a respeito de beneficência/sobrevivência: é adequado o paciente estar em concordância consigo mesmo- baseado em seus desejos, preferências, objetivos e valores- e, por isso, em desavença com a tecnociência validada quando uma recomendação médica representar alta influência sobre o prognóstico da qualidade de vida e da sobrevida?

Bioamigo, é certamente incontável o número de vezes num dia em que ocorre o diálogo entre os artigos 31 e 32 vigentes. CEM3132aPode-se intuir que a assim provocada troca obrigatória de argumentos sobre chamados valores funcionais e valores tradicionais na beira do leito faz camuflar uma nada incomum e delicada questão: a melhor decisão é preservar a liberdade de sujeito moral do paciente a todo custo mesmo quando possa representar caminho para a irreversibilidade do mau prognóstico?

A ressalva salvo em caso de iminente risco de morte constante no Código de Ética Médica não tem única interpretação- pode ser decodificada como um imperativo ou como uma justificativa de liberação do É vedado para o profissional da saúde que vier a desejar a opção.

O exercício da autonomia para tornar ético/moral/legal a realização da recomendação, a mutualidade e o jogo de tolerância requeridos pela contemporaneidade da beira do leito privilegiam a contenção do potencial de abuso de poder que, apesar de tudo, não pode deixar de ser  pode ser associado ao profissional da saúde.

A tecnociência uma vez incorporada como parte irredutível do profissional da saúde pode motivar ideias impositivas de superioridades da tecnociência validade sobre individualidades de vontade do paciente. Por isso, a ênfase da Bioética da Beira do leito na orientação que métodos da tecnociência são meios e pacientes são agentes da decisão de receberem ou não o que se conhece nas ciência da saúde como meio superior a nada- diagnóstico, terapêutico e/ou preventivo.

Assim bioamigo, eliminando o substantivo superioridade (entre tecnociência e ser humano) e considerando o adjetivo superior (a outros métodos), o conceito admitido pela Bioética da Beira do leito, em nome da prudência- virtude e ética- é do dever da disponibilidade da tecnociência com valor resolutivo na beira do leito e o aguardo do consentimento pelo paciente capaz.

Em outras palavras, evidências científicas validadas alinham-se à beneficência e para resultarem em benefício num paciente precisam ultrapassar o pedágio do consentimento livre e esclarecido que nem sempre tem uma cancela de fácil movimentação e assim exigente de continuidades de diálogo . De fato, pacientes, seres humanos que são com personalidade, temperamento e caráter, não infrequente reagem a uma recomendação numa sequência análoga ao pensamento de Arthur Schopenhauer (1788-1860): toda verdade tem três estágios: primeiro é ridiculizada, depois é violentamente oposta e por fim é aceita como auto evidente.

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