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1028- Ética pratica-se (Parte 7)

A Bioética da Beira do leito apregoa que poder e saber tramam entre si, ocupam mesmos espaços e determinam-se mutuamente. O saber-poder é produtivo e na beira do leito exercer ou sofrer as relações de poder e de saber enraizadas estão voltados, tradicionalmente, para causar bem e reduzir males.

A beira do leito é território onde destaca-se a correlação do poder com o saber dentre uma multiplicidade, onde é importante conhecer a legítima grandeza de poder sustentada pelo saber de quem o exerce, bem como a dinâmica dos rearranjos para novas configurações.

O poder do paciente adquirido após ser esclarecido pelo profissional da saúde pode apoiar-se num controle eminentemente próprio do paciente sobre a questão, independência que evita influências externas – uma autonomia individualizada -, ou pode sofrer  influxos de circunstantes e articula-se, assim, com a chamada autonomia de relação. É um poder coletivo por relacionamentos sociais e determinantes sociais produzindo intersubjetividades de influência na resposta do paciente ao conhecimento das ciências da saúde.

O binômio saber-poder associado às ciências da saúde atinge a vida social como um todo e sua sustentabilidade exige crítica perpétua. O cotidiano profissional reforça que todo saber engendra um poder e, por isso, é impossível o exercício do poder sem alguma forma de saber. Acumulamos saber porque adquirimos de fontes formais de ensino, porque observamos (sem maior engajamento), porque comprovamos (com maior engajamento) e porque praticamos. A cooperação não deve, entretanto, desviar-se para o abuso do poder, uma fronteira nem sempre bem determinada.

Podemos reconhecer o cenário completo desta afirmação na pandemia da Covid-19, efeitos de um novo vírus que  trouxe à superfície as profundezas de uma doença intrigante que passaram a assombrar e influenciar fortemente o presente e o futuro não somente de alguém que a contrai, mas também de toda a humanidade. São profundezas dolorosas, mas que evocam a metáfora aplicável às ciências da saúde que assimilar a real dimensão do iceberg exige mergulhar fundo.

Neste contexto de saber-poder, abriu-se uma vitrine altamente chamativa, expondo que certa até então conotação  de banalidade sobre viroses na sociedade transmutou-se num problema insólito. As ciências da saúde ganharam visibilidade – e interesse geral-, especialmente a sua imperiosa horizontalidade para envolver a existência individual e coletiva e influenciar o comportamento dos vários setores da sociedade, os rotineiros, os conduzidos como exigências e os tornados urgências.

Ao lado das  recomposições pró-eficiência das habilidades tecnocientíficas motivadas pelos desafios clínicos, os profissionais da saúde foram instados a reordenar suas competências narrativas, aplicarem suas aptidões de empatia, profissionalismo e confiabilidade para a absorção, interpretação e resposta a uma sequência de histórias emocionadas.

A imediata mobilização da obstinação pelo saber universal das ciências da saúde na transição de 2019 para 2020 trouxe rapidamente interpretações e reinterpretações sobre a pré-doença, a doença e a pós-doença. As reciclagens para a precisão das representações de verdades foram tanto motivadas a partir das realidades clínicas quanto elaboradas por muitas apreensões por analogias. Estas foram alinhadas a aspectos de fisiopatologia conhecidos, medicalização específica e suporte disponíveis, bem como à visão de resolução pela vacina – cordão sanitário planetário. As indagações à farmacologia destacaram-se.

A Bioética da Beira do leito enxerga a conveniência do pensar e repensar Bioética nos vários componentes dos saberes destacados pelo impacto da Covid-19, incluindo maneiras e justificativas de os aplicar à população.

Lamentável mas realisticamente, os cenários da crise reforçaram o valor da Bioética na beira do leito. As composições de ambientes facilitaram comprovar que os profissionais da saúde de alguma forma praticam Bioética em seus cotidianos utilizando bagagem pré-profissional adquirida na família, na escola, na amizade, na literatura ajustada como bagagem profissional a partir da entrada na faculdade e ampliada na vivência na beira do leito. Mesmo sem etiquetarem como prática da Bioética, promovem ênfase na sua abrangência e profundidade para utilidade nas situações onde confrontos chegam a preocupantes níveis ansiogênicos de tensões éticas/morais/legais.

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