PUBLICAÇÕES DESDE 2014

1018- Bioética da beira do leito. Pretensiosa, porque não? (Parte 3)

A Bioética da Beira do leito ademais entende que piedade não deve transparecer do profissional da saúde na beira do leito em nível acima do inevitável pelas circunstâncias, especialmente porque o paciente não é um fraco, um medíocre ou um culpado, ele é um vulnerável ampliado. É importante ter em mente que piedade é tristeza que se sente perante uma tristeza de alguém, particularmente quando tememos mesmo tormento, e ela, desta maneira, arrisca a aumento do clima de abatimento e dificulta a tomada da indispensável distância tecnocientífica para a condução produtiva e generosa do (a)caso, apesar do pesar que não deixa de sentir. Sabedoria da beira do leito para o socorro humano ao sofrimento, percepção evocadora da beneficência, sensível à não maleficência e atenta à autonomia.

A Bioética da Beira do leito expressa que cada (a)caso na beira do leito provoca um sentido- mais ou menos consciente- de gratidão – mais do que um dever (apesar do termo obrigado!), mais do que o sentimento de uma dívida, uma virtude partilhada pela oportunidade de integrar ajuda humana, aplicação do profissionalismo e aperfeiçoamento renovado. O reconhecimento está inserido na capacidade de enxergar no paciente o objetivo profissional maior, afinal admitir que o corpo humano ensina mais do que os livros pois este é um registro daquele não parece ser uma heresia em tempos de medicina baseada em evidências. Agradecer para se ter mais, entretanto sem nenhum viés utilitarista.

Entendo que ao longo da minha carreira pude de alguma forma calibrar os limites do que sou e do que não sou e preservado da soberba, sem falsa humildade, sem artimanhas, encorajei-me a usufruir, devidamente ajoelhado mas sem prejuízo à dignidade, até porque nada havia para me dar vergonha, a satisfação aquietadora com meus sucessos (orgulho) num nível alinhado com a indispensabilidade do paciente e amadurecer um autoconhecimento (amor-próprio) que me deixava quites com o paciente por tudo que tenha acontecido, mesmo quando, infelizmente, rancores do paciente/família toldavam a atmosfera da beira do leito. Narcisismo benigno – adjetivo que elimina a malignidade de hierarquizar não o que produz  mas o que possui e que assim infla o ego e distancia do egocentrismo – como resultado do próprio esforço motivado pelo interesse no trabalho e sua efetiva realização e que é autolimitador na medida em que percebe diferenças nas realidades do outro, ou seja, não as supõe sempre iguais as suas. Essencial para a integração entre o rigor tecnocientífico e a tolerância a contraposições de opinião, as verdades da ciência e da condição humana que não devem ser desobedecidas em suas individualidades e por isso criam conflitos indiscutíveis entre partes, portanto, de resolução difícil- pois a verdade (beneficência baseada em evidências igual para todos, aplicável com boa-fé, moralmente necessária) que se impõe é do conhecimento autêntico- mas necessária em função do valor que é do desejo (com desigualdades) que é quem comanda- o poder do desejo- alinhado ao princípio da autonomia.

A Bioética da Beira do leito entende que a lógica de atuações na beira do leito que se mostra alinhada com conjunções plurais determina o potencial de geração de crises, desde as inaparentes até as altamente dominantes do cenário, com timing e nível de intensidade. Um denominador comum é a incerteza sobre o desfecho perante um leque de possibilidades resolutivas.

Há muitos modelos de crise catalogados pela Bioética da Beira do leito embora forjados com mesmas matérias-primas e é essencial dominar na medida do possível as maneiras com que são produzidas, face à notória infiltração corrosiva e indiscutível potencial de descontrole. Assim, utilizando uma visão pragmática, cada caso – melhor dito cada acaso- na beira do leito representa também uma crise (oculta ou aparente). Engana-se quem desdiz esta relação, uma lição do mestre tempo de experiência.

De fato, exercícios didáticos com alunos tendo como ponto de referência o prontuário do paciente sempre foram unanimidade como fonte de achados de alguma crise que não transpareceu. O tipo de evolução clínica vale muito para a manifestação de crise, algo como o shakespeariano (William Shakespeare, 1564-1616) Tudo fica bem quando termina bem.

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES