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1017- Bioética da beira do leito. Pretensiosa, porque não? (Parte 2)

A Bioética da Beira do leito inquieta-se, pois, com um eterno retorno ao objetivo social que privilegia o sensível e, ao mesmo tempo, sofre interferências vigorosas de imperativos conceituais da própria sociedade preocupada em evitar abusos profissionais. É pedagógico perceber como mesmo método é útil, inútil, indicado, não indicado e contraindicado, numa apreciação da circunstância clínica. Mesmo profissional pode ser autonômico, paternalista, obstinado numa avaliação de prudência. A Bioética da Beira do leito contribui para perceber o quanto importa prover agregação do que não se tem – por exemplo saúde-, reduzir o que não somos- por exemplo, tornarmos mais realistas- e incluir o que nos falta- por exemplo, recursos eficazes. Em outras palavras, distinguir que carência é regente virtuoso.

A Bioética da Beira do leito reforça o valor da conscientização que processos, movimentos e contramovimentos dominam a beira do leito e energizam a pluralidade de comportamentos. O instinto de sobrevivência pessoal e profissional é uma realidade na beira do leito e provoca mil e uma maneiras de lidar com a vida, este bom-bril tão universal quanto a rejeição para cumprir a fina ironia de Woody Allen (Allan Stewart Konigsberg, nascido em 1935): Porque viver se você pode ser enterrado por apenas dez dólares?     

A Bioética da Beira do leito acentua a importância da competência e da sensibilidade pelo profissional da saúde para a compreensão das formas de tensão entre saúde e doença num entra e sai contínuo na beira do leito, itinerantes ao longo dos atendimentos. Com a finalidade da distensão, a Bioética da Beira do leito promove a valorização da experiência, o faz-(quase)tudo para contornar as instabilidades decorrentes das complexidades do organismo humano, das indeterminações reativas a terapêuticas e das imprevisibilidades prognósticas. A Bioética da Beira do leito ajuda a enxergar como más decisões possibilitam ganhar experiência que por sua vez sustenta boas decisões. E, ademais, permite reconhecer que a experiência só ensina o que é transmissível entre situações, assim alertando que por mais pode não ser suficiente.

A Bioética da Beira do leito considera bem-vinda para a ética a estratégia do raciocínio clínico de pensar sobre a história natural da doença e compor uma mentalização evolutiva alimentada pela memória da vivência e pela imaginação apropriada sobre possíveis histórias pós-intervenção. Lidei por décadas com doenças das valvas do coração e com elas aprendi a me movimentar nas fronteiras obscuras entre beneficência e não maleficência, quando o niilismo era recomendado pelo maior potencial de malefício de uma intervenção de tratamento e quando os recursos  terapêuticos representavam de fato beneficência para a qualidade de vida e sobrevida do paciente.

É essencial ter em conta que se a emergência não deixa dúvidas sobre o timing intervencionista, a chamada conduta eletiva inclui uma decisão sobre oportunidade a ser sustentada pela prudência, este dublê de virtude e fundamento ético, e que precisa ser lapidada ininterruptamente pela vigilância acolhedora na beira do leito. É face expressiva da atuação das ciências da saúde desde um ser humano para outro ser humano.

A Bioética da Beira do leito evoca a analogia entre sentir compaixão reativa, com respeito e sem nenhum juízo de valor e ter simpatia natural, que manifesta pelo profissional da saúde, funciona como um bálsamo terapêutico na beira do leito. É horrível quando o antônimo (frieza, insensibilidade) se faz atuante. É do profissionalismo que se espera na Saúde a recusa à indiferença que se propõe sem levar em conta substratos morais adjacentes do paciente, a construção de uma beira do leito ética que rejeita qualquer falta de sensibilidade ao sofrimento, quer pela crueldade, quer por despreocupação e egoísmo. Assim, faz parte do treinamento em Saúde desenvolver o poder conectivo da capacidade de sentir compaixão que cataliza motivações.

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