Não infrequente, podemos constatar certo receio do profissional da saúde que um apelo ao auxílio da Bioética no decorrer de um conflito provocaria indesejadas apreciações sobre suas pretensões. A dificuldade em tolerar a contraposição do caso ampliada para a de se submeter a uma imparcialidade sistematizada. Talvez até fujam conscientemente e amarras ao tecnicismo e ao cientificismo são matérias-primas para tais reações em que a rigidez de entendimento sobre a beneficência na aplicação das ciências da saúde contrapõe-se ao direito à ampla interlocução sustentado no princípio da autonomia. A sensibilidade exagerada a críticas prejudica enxergar a realidade circunstancial em sua plenitude, o que coloca o narcisismo e seus efeitos ressonantes na beira do leito. A rotura ao status quo fica prejudicada.
Há um lado reverso. Muitos, frente aos impasses, direcionam suas preocupações pessoais para a Bioética pretendendo dela um salvo-conduto para utilizar caso haja futuras reclamações sobre entendimentos de atuações como imprudência ou negligência, a reboque de manifestações de não consentimento pelo paciente às recomendações apresentadas. Graus de hipocondria moral- preocupação com possível culpa- associados à insegurança ética em busca de um porto seguro da moralidade. Ouso dizer que é motivo majoritário na solicitação de pareceres a Comitês de Bioética. Exige muita sensibilidade nas respostas, especialmente sobre eventuais contras das intenções.
Uma maneira de dar manutenção aos pensamentos perambulantes sobre as realidades da (não)capilarização é relacionar os comportamentos ao conceito de poder. Invocando Hanna Arendt (1906-1975), podemos considerar a relação entre poder e sensação de violência como um cenário aplicável. Aliás, presente nas origens da Bioética.
A Bioética da beira do leito entende que a aplicação dos três aspectos mencionados- o próprio entendimento, o receio de ser contraposto e o uso defensivo- ao cotidiano da beira do leito tem como denominador comum uma relação de mando e de obediência, onde pautam imprevisibilidades, frustrações e inseguranças.