Quando o termo paternalismo foi radicalmente exposto como imoral na conexão médico-paciente considerado comportamento profissional de contraposição à soberania do paciente sobre seu corpo e mente, um intuito era a exaltação do direito à autonomia pelo paciente. Pretendia-se que a beira do leito ficasse isenta de atitudes de autoritarismo profissional associado à mordaça para um paciente capaz totalmente submisso a intenções externas de aplicação de tecnociência.
Estabelecido um clima de tudo ou nada, logo se verificou o que costuma acontecer com mudanças radicais provocadas mais para evitar o abuso do que propriamente para lapidar o uso. Enveredou para algo como uma tomada de decisão sobre saúde delegada ao paciente, ou seja, a recomendação tecnocientífica aplicável era feita com um grau de esclarecimento e o médico aguardava “mudo”, um Sim ou um Não do paciente, receoso de fazer novas intervenções esclarecedoras que pudessem ser interpretadas como influência impositiva a alguém que adulto já adquirira a capacidade cognitiva para decidir sem “o pai”.
Percebida a inconveniência de radicalizar uma antinomia entre segregar o paternalismo e integrar a autonomia, surgiu a solução semântica que a humanidade construiu ao longo dos tempos, a adjetivação, que restringe e explica. O paternalismo – o forte é o coercitivo, proibitivo, o tipo a ser proscrito da beira do leito- e o paternalismo brando é o amigável, bem intencionado e respeitoso, o tipo admissível na beira do leito.
A movimentação de desejos de primeira ordem do paciente para a vontade decisória-compartilhada admite a sucessão de “momentos decisórios provisórios”, livres com seus níveis de esclarecimento. Pode-se conjecturar que nas circunstâncias em que a recomendação advinda desde o médico soa ao paciente com componentes indesejados, há uma atuação de pensamentos tanto como vieses quanto como de representação simplista, uma combinação que costuma influir na direção da movimentação do recomendado.
Tais pensamentos incluem:
a) tendência à preservação do status quo versus tendência à ação mais do que à inação;
b) o conjunto de experiências em decisões sobre a saúde;
c) ponderação entre certezas e incertezas apresentadas;
d) habilidade para se ajustar a novos comportamentos;
e) ponderação entre ganhos e perdas do habituado;
f) tendência a subvalorizar o que tem dificuldade em entender;
g) tendência de as informações inicias e as finais ficarem mais presentes do que as intermediárias;
h) efeitos de notícias recentes.
Distorções por influência de otimismo/pessimismo, de supervalorização do certo e do incerto e de uma visão como meio copo cheio ou vazio resultam e prejudicam a atividade autonômica sobre atuações e decorrências.
O paternalismo – o brando – responsável dá a oportunidade a que algum grau de indecisão do paciente, um tímido talvez mascarado pelo Não inicial, possa ser trabalhado por vaivéns bem intencionados, cooperativos, acolhedores e nada coercitivos. Como se sabe, a expressão da autonomia do paciente num contexto clínico não se mostra invariável antes, durante e depois do cuidado, ou seja, a autonomia do paciente pode ser considerada um processo gradual, mutável com o tempo de reconstrução perante interações entre si – uma individualidade- e a capacidade de reações de aceitação e de rejeição e assunções de responsabilidade. numa participação de interdependência.
É experiência habitual da vivência na beira do leito que pacientes agradecem a colaboração dos circunstantes para a movimentação do desejo de primeira ordem para a vontade decisória, após a constatação de um “final feliz” da conduta decidida.
O paternalismo- o brando- e seu alter ego paternalismo responsável implicam na liberdade responsável que deve acompanhar o profissional da saúde de fato comprometido com a atenção às necessidades do paciente. É conquista da maturidade profissional que trabalha as interfaces entre liberdade prática/teórica e não liberdade teórica/prática por meio de interpretações articuladas com as circunstâncias. A conscientização que o paternalismo responsável não é antônimo de direito à autonomia, mas que ambos podem conviver.
Exemplo é o cotidiano lidar com o caput É vedado ao médico dos Art. 32- Deixar de usar todos os meios disponíveis de promoção de saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente e do Art. 31– Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Fica óbvio que o não consentimento livre pelo paciente inviabiliza a aplicação de um procedimento cientificamente reconhecido para as necessidades de saúde de modo eletivo pelo médico.
É natural que a conexão médico-paciente desperte a influência do médico sobre o desejo de primeira ordem do paciente. Impactos só não acontecem enquanto o paciente não procura o médico e se “auto recomenda”. A partir do momento em que flui a palavra do médico, um ouvir-se ouvi-la estabelece influência e eventual preservação da chamada autonomia formal (essencialmente própria) só ocorre quando totalmente resistente a alguma modificação pelas palavras externas, ou seja, quando não se forma nenhuma chance para a chamada autonomia efetiva – influenciada por circunstantes.
O paciente é livre tanto para preservar a autonomia formal como para movimentar-se para a autonomia efetiva, idealmente, bem esclarecido sobre o planejamento da conduta, o que pressupõe a vantagem da comparticipação do médico no processo decisório. O desenvolvimento da vontade decisória admite uma descolonização de pensamentos e a reorganização responsável, uma experiência de calibragem do rigor tecnocientífico pela flexibilidade motivada pela abertura ao desconhecido e ao imprevisível e pela tolerância a contraposições de opinião.