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991- Habemus vacina

A beira do leito funciona como um endereço fixo da Bioética. Local de ética e de estética. Plataforma para articulações entre ciência e sensações e percepções humanas. Profissionais da saúde atuam. Seus significados se renovam.

O ano de 2020 foi peculiar, imprevisível fora de um contexto ficcional, mas não isento de ineditismo histórico. Ainda por cima foi bissexto, mais um dia para a renovação angustiante dos acontecimentos. Impedimentos ao cotidiano planejado e ao conquistado eclodiram e o desapego a rotinas que soavam imprescindíveis imperou. A ameaça à saúde física acompanhou-se  ab initio do risco à saúde mental.

Preencheram-se os critérios de doença pois envolveu disfunção, males, sofrimento, incapacidades explicáveis pela biologia e além do controle individual das pessoas. Em decorrência, tornou-se imperativo a proteção contra danos, o enfrentamento de situações não treinadas e o encontro de novas fronteiras entre dependência e independência.

O ano de 2020, que começou previsto para um decorrer como passo a frente a respeito das expectativas de progresso da medicina e ciências da saúde em geral a reboque da inteligência artificial, da medicina personalizada e do translacional, eis que transmuta-se por um novo vírus na atmosfera e, rapidamente, faz de cada dia uma sucessão de frustrações doídas.

A alta capacidade adaptativa do Homo sapiens eclodiu e construiu distintos cenários. Como denominador comum do desejo de reversão do pandemônio pandêmico, surgiu imediatamente a perspectiva da criação de uma vacina. Tornou-se o pensamento redentor dominante.

A memória sobre o desenvolvimento de vacinas especialmente no século XX trouxe certo desalento sobre prazos próximos. Mas tratava-se do século XXI e tudo que pudesse sustentar uma produção mais abreviada foi mobilizado, uma simbiose de direcionamentos eficientes e competentes entendendo que o tempo qualitativo tornara-se altamente prioritário. Ajustes de conceitos aconteceram, ousadias redundaram bem-vindas, narizes torcidos passaram a reverenciar, num esforço cooperativo para a ansiosa conexão do objetivo a resultados benéficos com a máxima brevidade.

Pesquisas clínicas aceleraram-se no ritmo das expectativas globais. Em pouco menos de um ano, surpreendendo os mais otimistas, conseguiu-se o que se admitia impossível. Habemus vacina! Tudo desenvolvido sob os holofotes poderosos da informação globalizada e de opiniões calidoscópicas, nunca ocorrido com vacinas precedentes em que importava apenas o calendário de vacinação.

Era inevitável, o inusitado sobre o desenvolvimento da inovação gerou inúmeras dúvidas sobre garantias da qualidade. Humanamente previsível pelo imprevisível da tarefa. Nunca foi diferente com qualquer fármaco recém-obtido, mas, agora, as preocupações tecnocientíficas, habitualmente restritas aos profissionais da saúde espalharam-se pela sociedade e sensibilizaram autoridades.

De não ter nada, apenas uma imaginação, passou-se a ter produtos reais associados a uma estatística de efeito, uma exigência do seu caráter biológico. Marcas e origens centralizaram discussões. O desejo sim, mas preferências também.

Enfim, na passagem de 2020 para 2021, a história registrará que a ciência disponibilizou com altíssima eficiência o que há um ano não tínhamos. Agora temos. É o possível dentro do que parecia impossível no decorrer de um tempo exíguo para pesquisa. O quanto, de fato, vacinas contra Covid-19 representam do ideal, saberemos com o uso. Aperfeiçoamentos ocorrerão.

A ANVISA deu sustentação à confiança de que precisávamos para nos submeter ao chamado uso emergencial que leva em conta a morbimortalidade angustiante e a sociedade necessita absorver a fiança, cidadão(ã) por cidadão(ã), e aplicar a solidariedade. Individualidade e coletividade.

A Bioética tem poder de cooperação. Facilita a conscientização sobre a utilidade, o risco de adversidade e a disposição individual que afasta conotações de abuso e de violência advindas de conjugações de pensamentos e da liberdade de expressão.

A pandemia persiste, o uso da máscara simboliza o temor da convivência ambiental, o vírus amplia a contagiosidade por mutações como se fosse uma inteligência artificial que aprende em serviço. Se desde o início da pandemia, a vacina tornou-se a esperança redentora, se apesar das dúvidas é promissora a ausência de relatos de adversidades preocupantes entre as pessoas que já foram vacinadas em vários países, afora as conclusões das pesquisas, que argumento teríamos para desaprovar a vacinação com potencial de benefício? Nenhum teria consistência.

Pacientes têm me perguntado se devem tomar a vacina contra a Covid-19, se eu vou tomar, por exemplo. Um significado atualíssimo da conexão médico-paciente. Parto do princípio que minha declaração expressa uma opinião tecnocientífica e que ela representa o meu conhecimento e o meu entendimento. A resposta é um Sim otimista!

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