A Bioética da Beira do leito enfatiza que o médico tem direitos como o II expresso no Código de Ética Médica vigente: direito de indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas cientificamente reconhecidas e respeitada a legislação vigente.
Assim, quando cotejado este direito do médico de indicar ao direito do paciente de concordar ou não com a aplicação, o termo adequado adquire conotação sujeita a distintas interpretações. Adequado ou inadequado em relação à medicina, à individualidade nosológica do paciente, à vontades do paciente?
O termo adequado é, pois, vago, talvez necessariamente indeterminado. Vagueza subentende que há situações onde não se pode precisar uma linha de corte binário. Por isso, um método pedagógico para fazer o jovem médico refletir sobre este papel ético adaptativo na beira do leito que costuma provocar certas objeções de consciência especialmente alinhadas ao noviciado é granular o conjunto que emitiu para o paciente, vale dizer informações, conceitos, crenças tornados grãos.
Tornar grãos o conteúdo do mundo proposto ao paciente facilita treinar o raciocínio num eventual mundo substituto sugerido pelo paciente, pois traz para a beira do leito o desafio do paradoxo de sorites (montes em grego) formulado por Eubulides de Mileto (384ac-322ac) e que se refere ao conceito de imprecisão.
Antes de prosseguir, um exemplo bem rápido: Paciente Testemunha de Jeová consente em se submeter ao procedimento recomendado pelo médico, mas não consente com eventual transfusão de sangue. O médico Dr. João sabe que a probabilidade da transfusão de sangue é pequena, mas entende que não pode garantir evitá-la se a sobrevida pós-procedimento do paciente vier por uma intercorrência a estar fortemente dependente da reposição volêmica; ele se recusa a proceder pois não consegue excluir possibilidades de acontecimento hemorrágico. O mesmo paciente consulta o Dr. José que privilegia a mínima probabilidade de transfusão de sangue e aceita a adaptação imposta pelo paciente. Fica claro como conduta adequada carrega imprecisão. Alguns grãos a menos no monte terapêutico que reúne aplicações decididas e em potencial geram comportamentos médicos distintos sem nenhuma caracterização de decisão eticamente correta ou incorreta.
A granulação decompõe o conjunto e se presta para reconstituições. Suponha que você é instado a responder o que é uma pessoa alta. Ter 1,80m é ser alto? Você granula em 180 cm, aprecia o “monte” resultante e responde sim! Ter 1,79m é ser alto? Você granula em 179 cm e entende que a diferença de um centímetro não prejudica a visão de “monte” e continua respondendo sim. Dando sequência à regressão, quando a carência de centímetros virá a determinar uma resposta não é alto? Há uma indeterminação referencial que permite individualizações de interpretação pela falta de um critério universal sobre limites.
Assim sendo a quantidade de grãos o equivalente ao teor de coesão da conduta aceitável eticamente, o adequado pós-perdas da recomendação original deve estar afinado com o principio fundamental XXI do Código de Ética Médica vigente- No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.
Cada médico terá a sua definição acerca da grandeza do que o paciente está disposto a consentir para considerar ainda um “monte” eticamente aceitável. Para o Dr. João, sua versão da perda do método transfusional impede persistir considerando um “monte”, enquanto que para o Dr. José, sua versão da perda do método transfusional não impede de persistir considerando “um monte”. Ambas as situações enquadram-se no termo adequado inserido no Código de Ética Médica.
Veritas est adaequatio rei et intellectus: a verdade é a adequação da coisa ao intelecto.