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113-Vacina contra Dengue ou Modificação genética do mosquito? Um olhar pela Bioética

a-vacina-da-variolaO Aedes aegypti foi ligado à Dengue durante uma epidemia da doença na Austrália, em 1906. Ele adaptou-se a qualquer recipiente doméstico de água, como vasos com plantas, garrafas vazias e pneus. As fêmeas no período de maturação dos seus ovos são hematófagas, pela necessidade do sangue para o desenvolvimento e a  maturação dos ovos, tarefa que requer luminosidade, assim relacionando a picada infectante das mesmas à luz do dia.

Uma pesquisa recente feita com residentes na Florida mostrou um percentual de oposição ao método de produzir mosquitos Aedes aegypti machos com modificação genética para que os ovos das fêmeas não possam evoluir para o mosquito adulto alado http://www.npr.org/blogs/health/2015/01/28/382168407/florida-health-officials-hope-to-test-gmo-mosquitoes-this-spring. Neste momento da Dengue no Brasil, fica difícil entender a negativa a uma chance de redução da incidência da doença, método que lá nos EUA  está sendo analisado pelo FDA. Mas há dúvidas sobre eventuais influências no equilíbrio ambiental na esteira do mosquito transgênico, incluindo a possibilidade de elevação do número de outras espécies de Aedes, assim comprometendo o objetivo do combate á doença. Curiosamente, o antibiótico Tetraciclina, largamente utilizado na década de 60/70, reverte a infertilidade do mosquito. Assim como o Aedes aegypti  tornou-se resistente ao pesticida DDT, ele poderia valer-se de espécies de Streptomyces, bactérias de solo de onde se extrai o referido antibiótico.

A percepção de risco à própria saúde depende não somente  da probabilidade e intensidade da ocorrência, mas também de quanto há conhecimento, familiaridade e chance de controle. Mas também como chega a notícia, como decorre o sentimento de temor consequente. Evidentemente, agora, a hipercolesterolemia  assusta diferente do vírus da Dengue em todo o território brasileiro.

Há complexidade na integração de certos comportamentos envolvendo a Natureza. Existem feras em processo de extinção e projetos para preservá-las. Há entidades voltadas  para a proteção dos animais, mas uma seleção destes. Influi a força do sentimento e da distância de convivência. Feras bonitas mas longe –  enjauladas, até- e animais domésticos, “na família”. É da civilização construída. Os animais mosquitos são entendidos como pragas, e, provavelmente, insetos não estão incluídos no pensado pelo Papa João Paulo II, quando afirmou que “… Animais têm alma…”. E mais recentemente, recorde-se, o Papa Francisco disse que “… Animais vão para o céu…”.  

O surto de Dengue coincidiu com a crise da água em muitas regiões brasileiras. Quando se noticiaram as realidades hídricas, as preocupações da sociedade dispararam e em vários sentidos: sede, higiene, negócios. Choveu mais, as limitações ficaram mais distantes, reduziram-se os sentimentos negativos da população. Para a continuidade resolutiva, existem os governantes. Mas a conscientização “longitudinal” da população sobre suas responsabilidades precisa ser mantida. A água a preservar é fator ecológico para a larva e a pupa do Aedes aegypti.

Neste contexto, um dos problemas históricos da Dengue é o arrefecimento de medidas controladoras fora  de épocas-manchete. Esfria a fervura social atual e o impacto sobre as políticas de saúde pode resultar  modificado. O temor atual da população precisa, entretanto, ficar  vivo e motivar governantes e cientistas a manter o ritmo de medidas de saúde pública e de pesquisas científicas na direção da erradicação do mal pela raiz. Mas, a raiz é o mosquito ou é o vírus? Polêmico! Exterminar o Aedes aegypti, produzir um medicamente anti-viral específico ou criar uma vacina? Eis a questão.

Neste ponto, parece evidente que a vacina contra Dengue, garantidas a eficácia, a segurança e a disponibilidade inclusiva no Calendário de Imunizações soa superior à interferência genética na Natureza. Mas, como tudo tem mais um lado para reflexão, a vacina contra a Febre Amarela resolveu a doença, mas deixou o Aedes aegypti  fértil por aí  voando baixo, atingindo uma distância íntima com todos nós sem pedir nenhuma permissão, vindo sabe lá de onde, e transmitindo outros arbovirus, os  causadores de Dengue e Chikungunya. E agora surge o vírus Zika – necessita confirmação da comunidade científica-, que dizem que é um “legado” da Copa do Mundo de 2014, assim como o mosquito nocivo é legado do tráfico de escravos desde a África para o Brasil.

A Bioética da Beira do leito está atenta a estes aspectos da percepção individual e coletiva do risco, resposta emocional ao dano e lição de epidemia para o universo do nosso Sistema de Saúde. Ela comunga com o pensamento do estadunidense Robert Green Ingersoll (1833-1899): “… Na Natureza não há nem recompensa nem castigo, há consequências…”.


Frases – http://kdfrases.com

 

 

 

 

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COMENTÁRIOS

4 respostas

  1. Caro Grinberg.

    Quero lhe trazer algumas reflexões, que podem ajudar num segundo artigo sobre o controle da dengue.
    Primeiro, a percepção de risco é algo formado na cabeça de cada um de nós, como fruto do universo de informações que nos chega e da nossa compreensão do Mundo. Ela não tem nada a ver com a avaliação de risco, esta sim baseada na ciência e que envolve questões de exposição e danos prováveis. A metodologia da avaliação de risco foi aplicada ao mosquito GM e ele foi considerado seguro (pela CTNBio, que é a agência nacional para isso). A percepção de risco, que recolhe os inputs da midia oficial e alternativa, não segue a mesma linha sempre: há gente que quer o mosquito GM logo, há outras que desconfiam de sua segurança.
    Quanto à vacina, que ainda está longe do mercado, não foi feita uma avaliação de risco. A percepção, ao contrário do mosquito, é em geral favorável. Teremos que aguardar a avaliação para saber, de fato, quais são os riscos.
    Por fi, não existe qualquer possibilidade de que os mosquitos GM se espalhem e se multipliquem, porque carregam um gene letal. Mesmo que a letalidade não seja 100%, será muito próxima a isso e eles jamais serão competitivos com o mosquito não modificado. As fêmeas da variedade GM também não transmitem a doença porque morrem antes de se completar o ciclo do vírus.
    Cordialmente,
    Paulo

    1. Caro Paulo, agradeço a sua participação e os seus esclarecimentos fundamentados na sua formação acadêmica e expertise sobre o tema. Qualquer inovação em Medicina precisa ser analisada em suas várias facetas, assim um blog sobre Bioética objetiva suscitar reflexões plurais a respeito de conhecimento e poder, como a respeito da Dengue que traz forte atualidade emocional ao brasileiro.
      Convido-o a escrever um artigo para o blog bioamigo a ser publicado no Cantinho do Bioamigo. Cordialmente, Max Grinberg

  2. Prezado Dr. Grinsberg, será um prazer. Minha área de expertise é a avaliação de riscos dos OGM, sejam eles mosquitos, peixes, plantas anuais ou árvores. É só dizer que assunto pode ser mais interessante aos leitores.
    Att.
    Paulo Andrade
    andrade@ufpe.br

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