Algum fato que acontece na beira do leito de modo atrasado ou adiado pode ser bom ou mau, assim pode ser simplificada a visão ética.
Há o caso do paciente que aguarda a melhora espontânea de algo que não regride porque é grave. Uma causa é o receio do diagnóstico e seus desdobramentos. Nem todo o paciente está “em sintonia” com o médico, enquanto este objetiva achar e cuidar, aquele evita o trauma emocional que sofreria pelo achado. A busca por uma nova palavra em segunda opinião ilustra a sensação de “nocaute” de receber um diagnóstico ou uma conduta indesejados. O médico não deve se recusar ao paciente que procura fugir de uma realidade justificando-se num julgamento moral do comportamento.
Há o caso do médico que, por enquanto, não identifica sinais que justifiquem tratamento, ou porque ainda não estão maduros ou porque os métodos da Medicina de que dispõe não têm a acurácia necessária. Acontece em PS, por exemplo, razão do jargão: “… se não melhorar, retorne…”. Casos de meningite meningocócica são terríveis neste contexto, como delegado do CREMESP tive a oportunidade de conhecer a dramaticidade do retorno poucas horas depois.
Há o caso da cirurgia eletiva suspensa pela presença de uma morbidade que eleva o risco operatório. A prudência fala mais alto. Inclusive de interesses próprios ou de imposições institucionais.
Há o caso onde uma intencionalidade anti-ética da prática de um ou mais dos quatro princípios da Bioética- Beneficência, Não Maleficência/Segurança, Autonomia e Equidade. Negligências de diversas naturezas dominam como causas dos danos. Para a maioria, advertências e censuras pelo Conselho Regional de Medicina provocam as reflexões corretoras, o bom efeito pedagógico da vigilância. Mas há a minoria …
Ação ou inação terapêuticas declaradamente éticas sustentam-se em dimensões de efeito do método e em probabilidades de certeza da ocorrência conforme pretendida. Conveniou-se que pesquisas com populações múltiplas, várias randomizações e meta-análises fundamentam a força científica do timing de uma tomada de decisão, ganho da Medicina contemporânea. O monitoramento de sintomas e da qualidade vida do paciente, por exemplo, tem o objetivo de bem cuidar, evitando atrasos ou precipitações desrespeitosos às recomendações validadas desta forma ideal e classificadas como nível A.
Nos níveis B- populações numericamente limitadas, única randomização, ou até não randomização de pesquisas- e C- populações muito limitadas, opiniões de especialistas, estudo de casos, protocolos de atendimento, é menor o grau de probabilidade de certeza que a dimensão de efeito presumida acontecerá de fato.
O que acontece é que o nível A é minoria habitual em diretrizes. É fato que poderia levantar a questão: Uma probabilidade menor de certeza (B ou C) o quão baixa pode ser, a ponto de fazer pensar em inação, até porque não existe iatrogenia zero?
Pensar e fazer e pensar e não fazer é dualidade de interesse da Bioética da Beira do leito sobre o bom e o mau de não atrasar ou de não adiantar condutas. O reprovável é não pensar no que não pode deixar de sê-lo.
E porque a Bioética entende indispensável a interdisciplinaridade como nascente de pensamentos, talvez melhor a transdisciplinaridade, parece-nos útil que o bioamigo que atua na beira do leito conheça o documento intitulado Precautionary Principle, editado pela UNESCO em 2005. Este Princípio é aplicável quando evidências científicas são insuficientes, inconclusivas ou incertas sobre dados científicos preliminares que trazem possibilidades de danos. Presta-se, pois a aplicação na beira do leito de uma recomendação 2bC, ou até mesmo de uma 2aC, que, existem nas diretrizes e que dão respaldo ético pela boa intenção apesar das dúvidas preocupantes.
Perante a necessidade do paciente, a recomendação não 1A, mais fraca cientificamente, precisa ser cogitada, pois não podemos entender que o paciente de hoje “está adiantado” ou a Medicina “está atrasada” em relação a pesquisas randomizadas. Sabemos que amanhã o adverbial infelizmente divergentes que cabe nestas aspas poderá ser substituído por felizmente convergentes, mas esperar traz a negligência para a beira do leito, que a repudia.
Para melhor trânsito nestas questões, trago a tradução de dois quadros do referido documento- quem desejar ler no original o link é http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001395/139578e.pdf.
O quadro 2 é passível de ser aplicado aos contrapontos do uso de uma recomendação 2bC, que é aquela menos bem estabelecida e com divergências de opiniões, o que estimula juízos de valor pessoais na beira do leito acerca da segurança do benefício hipotético.
QUADRO 2
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Quando a atividade humana pode determinar um dano moralmente inaceitável que é cientificamente plausível , mas incerto, ações devem ser efetivadas para evitar ou diminuir o dano.
Dano moralmente inaceitável diz respeito a dano a humanos ou ao ambiente que:
. ameaça a vida humana ou a saúde, ou
. é sério e efetivamente irreversível, ou
. vê um só lado para a presente ou as futuras gerações, ou
. imposto sem adequada consideração dos direitos humanos dos afetados.
O julgamento da plausibilidade –aparentemente válido- deve ser sustentado em análise científica. Análise científica deve ser conduzida de modo a permitir revisão. Incerteza como causa de possível dano pode ser aplicável, mas não pode limitar .
Ações são intervenções que são realizadas antes que o dano ocorra, que procuram evita-lo ou diminui-lo. Ações escolhidas devem ser proporcionais à gravidade do dano em potencial, considerando suas consequências positivas e negativas e com uma determinação das implicações morais de ambas, ação e inação. A escolha da ação deve ser o resultado de um processo participativo.
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Como o bioamigo pode-se depreender, a Bioética coube toda neste quadro 2.
O quadro 3 aborda a plausibilidade versus a probabilidade e implica num alerta sobre decisões dos comitês de elaboração de Diretrizes realizadas por eleição- que ficam ocultas-, onde algo como 6 votos contra 5 votos significa que uma única cabeça poderia ter mudado a classificação de 2b em 2a ou vice-versa.
QUADRO 3
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Quando julgamos que uma hipótese é plausível e que outra não é, não estamos dizendo que a hipótese plausível é mais provável do que a não plausível, muito embora estejamos dizendo que a hipótese plausível é mais possível do que a outra. Nós só podemos julgar a probabilidade relativa quando temos evidência suficiente para fazer tal afirmação. Quando falta evidência suficiente sobre ambas as hipóteses, devemos evitar julgar sobre qual hipótese é verdadeira porque desconhecemos sobre este aspecto. Mas não devemos impedir nosso julgamento prático porque ainda não decidimos como atuar com respeito a estas hipóteses.
Estas considerações acrescentam valor à transparência dos atos e à cumplicidade médico-paciente na aplicação da Medicina cheia de plausíveis e de possíveis. O instantâneo da assistência de hoje está sendo aperfeiçoada nos Laboratórios de pesquisa e a inovação faz progressivas substituições, ninguém ignora.
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Mas o mundo real das necessidades é agora. O caso precisa ser cuidado com os recursos atuais, não importa (?) que possa haver o melhor em alguma parte, ainda não divulgado ou validado. A interrogação cabe fora da rotina. Esta não dispõe de tempo para atitudes transgressoras. Ela diz respeito a quem se percebe num dilema moral sobre prescrição de inovação e que, por isso, vai parar no Judiciário e cai nos prós e nos contras da finitude de recursos financeiros versus a finitude de uma vida. Autonomia do médico e heteronomia por parte de instituição e Sistema de Saúde entram em conflito. A beira do leito fica num fogo cruzado, a rotina tem que se abrigar, mas não pode ficar indiferente.
Empenho ético -no uso de todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente (art 32 do Código de Ética Médica)- é a palavra-chave na busca do sucesso diagnóstico, terapêutico e de prevenção. O aumento da expectativa de vida das pessoas com qualidade é atestado! E a Bioética tem a sua contribuição. Uma delas é a reflexão sobre o significado material e temporal das duas palavras acima destacadas, que inclui os lados bom e mau do plausível e do provável.