Dr. CARLOS ALBERTO PESSOA ROSA
Eu atendi um paciente jovem, 28 anos, saudável, com pneumonia lobar, adquirida na comunidade e sem complicações. Ao orientá-lo quanto à necessidade de prescrever antibiótico, ele me interrompeu e disse que estava no consultório a pedido de seu médico, homeopata, de São Paulo, que lhe solicitara passar em consulta comigo, por confiar em meu diagnóstico, para depois medicá-lo, evitando, assim, sua saída da cidade.
Quais opções eu teria para resposta ao solicitado?
1. Poderia não aceitar a situação. O enfermo não apresentava risco iminente de morte, poderia muito bem deslocar-se para São Paulo e passar em consulta com o colega levando o estudo radiológico;
2. Poderia aceitar a situação parcialmente. Enviaria um relatório ao colega quanto ao diagnóstico, sem mais comprometimento;
3. Poderia aceitar a situação, aviar o tratamento alopático e marcar retorno para o enfermo, independentemente de ele seguir ou não o prescrito;
4. Poderia aceitar a situação, entrar em contato com o colega e acompanhar a evolução, informando-o da condição de seu paciente, caso assim optasse.
Pensando no código deontológico, a primeira opção pareceu-me adequada, registraria em prontuário o ocorrido e estaria tudo resolvido. Afinal, não sou o único médico na cidade. O paciente afirmara que tinha seu médico pessoal, que é homeopata, e não corria risco iminente de morte. Assim optando por não aceitar a situação, eu não seria enquadrado no art. 1º do Código de Ética Médica vigente – é vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Não causaria dano ao paciente por omissão – a não ser que o enfermo viesse a falecer em trânsito por alguma fatalidade clínica não relacionada ao problema e que poderia ser resolvido com a verificação do óbito, mas até lá já estaria envolvido por ter prestado atendimento e não ter assumido o tratamento necessário.
Assim como poderia ser eticamente enquadrado por não ter deixado o paciente decidir livremente pelo seu tratamento (art. 31- é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte), ou por não ter fornecido informações a outro médico, segundo o art. 54- é vedado ao médico deixar de fornecer a outro médico informações sobre o quadro clínico de paciente, desde que autorizado por este ou por seu representante legal – este último estaria resolvido com a segunda opção. Ademais, em relação ao art, 53 – é vedado ao médico deixar de encaminhar o paciente que lhe foi enviado para procedimento especializado de volta ao médico assistente, pois, fornecer-lhe-ia as devidas informações.
Caso a terceira opção fosse escolhida, reservando-me o direito de aviar o tratamento alopático, e houvesse alguma complicação no transcorrer do tratamento, inclusive evolução para óbito, se porventura me defendesse transferindo o insucesso ao médico homeopata, poderia ser enquadrado no art. 3º- é vedado ao médico deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente- e no art. 6º- é vedado ao médico atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado.
Portanto, diante de tal esquizoidia deontológica, eu decidi fazer uma reflexão bioética centrada no humano. Tratava-se de um paciente adoentado, distante de seu médico de confiança, com diagnóstico realizado, mas instado à confirmação, e com direito de atuar sua autonomia plenamente.
Ao final, eu optei por acompanhá-lo junto ao colega – opção número 4- , aceitando o tratamento homeopático, o que permitiria uma segurança maior ao jovem caso houvesse insucesso terapêutico, o que costuma ocorrer tão-somente numa minoria de pacientes jovens, sem comorbidades, acometidos de pneumonia adquirida na comunidade.
O enfermo evoluiu muito bem com as diluições prescritas pelo colega.
Caso a evolução não fosse para o restabelecimento da doença, não poderia responder nem por omissão (art. 1º), nem por ter deixado de assumir responsabilidade sobre o procedimento médico de que participei (art. 3º).
Também não haveria necessidade de atribuir o insucesso a terceiros, colocando culpa no colega. Quanto ao art. 31, eu respeitei a autonomia do jovem, mas ficaria um pouco incomodado com o art. 32- é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.
Neste contexto, contudo, o CFM reconhece que há embasamento científico no tratamento homeopático. Quanto aos art. 53 e art. 54, o colega foi devidamente comunicado quanto à evolução e houve uma conjugação de esforços como um trabalho de equipe.
Este caso reforça o vigor da Bioética como instrumento útil para interpretação das vedações do Código de Ética Médica vigente em face das infinitas individualidades das relações médico-pacientes pautadas na boa-fé, ou seja com autenticidade para o outro e para si.