PUBLICAÇÕES DESDE 2014

CBio18-O vigor da Bioética parceira da Deontologia Médica

Dr. Carlos Alberto Pereira Rosa

Dr. CARLOS ALBERTO PESSOA ROSA

 

Eu atendi um paciente jovem, 28 anos, saudável, com pneumonia lobar, adquirida na comunidade e sem complicações. Ao orientá-lo quanto à necessidade de prescrever antibiótico, ele me interrompeu  e disse que estava no consultório a pedido de seu médico, homeopata, de São Paulo, que lhe solicitara passar em consulta comigo, por confiar em meu diagnóstico, para depois medicá-lo, evitando, assim, sua saída da cidade.

Quais opções eu teria para resposta ao solicitado?

1.      Poderia não aceitar a situação. O enfermo não apresentava risco iminente de morte, poderia muito bem deslocar-se para São Paulo e passar em consulta com o colega levando o estudo radiológico;

2.      Poderia aceitar a situação parcialmente. Enviaria um relatório ao colega quanto ao diagnóstico, sem mais comprometimento;

3.      Poderia aceitar a situação, aviar o tratamento alopático e marcar retorno para o enfermo, independentemente de ele seguir ou não o prescrito;

4.      Poderia aceitar a situação, entrar em contato com o colega e acompanhar a evolução, informando-o da condição de seu paciente, caso assim optasse.

Pensando no código deontológico, a primeira opção pareceu-me adequada, registraria em prontuário o ocorrido e estaria tudo resolvido. Afinal, não sou o único médico na cidade. O paciente afirmara que tinha seu médico pessoal, que é homeopata, e não corria risco iminente de morte. Assim optando por não aceitar a situação, eu não seria enquadrado no art. 1º do Código de Ética Médica vigente – é  vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.  Não causaria dano ao paciente por omissão – a não ser que o enfermo viesse a falecer em trânsito por alguma fatalidade clínica não relacionada ao problema e que poderia ser resolvido com a verificação do óbito, mas até lá já estaria envolvido por ter prestado atendimento e não ter assumido o tratamento necessário.

Assim como poderia ser eticamente enquadrado por não ter deixado o paciente decidir livremente pelo seu tratamento (art. 31- é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte),  ou por não ter fornecido informações a outro médico, segundo o  art. 54- é vedado ao médico deixar de fornecer a outro médico informações sobre o quadro clínico de paciente, desde que autorizado por este ou por seu representante legal – este último estaria resolvido com a segunda opção. Ademais, em relação ao  art, 53 – é vedado ao médico deixar de encaminhar o paciente que lhe foi enviado para procedimento especializado de volta ao médico assistente, pois, fornecer-lhe-ia  as devidas informações.

Caso a terceira opção fosse escolhida, reservando-me o direito de aviar o tratamento alopático, e  houvesse alguma complicação no transcorrer do tratamento,  inclusive evolução para óbito, se porventura me defendesse transferindo o insucesso ao médico homeopata, poderia ser enquadrado no art. 3º- é vedado ao médico deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente- e no art. 6º-  é vedado ao médico atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado.

Portanto, diante de tal esquizoidia deontológica, eu decidi fazer uma reflexão bioética centrada no humano. Tratava-se de um paciente adoentado, distante de seu médico de confiança, com diagnóstico realizado, mas instado à confirmação, e com direito de atuar sua autonomia plenamente.

Ao final, eu optei por acompanhá-lo junto ao colega – opção número 4- , aceitando o tratamento homeopático, o que permitiria uma segurança maior ao jovem caso houvesse insucesso terapêutico, o que costuma ocorrer tão-somente numa minoria de pacientes jovens, sem comorbidades, acometidos de pneumonia adquirida na comunidade.

O enfermo evoluiu muito bem com as diluições prescritas pelo colega.

Caso a evolução não fosse para o restabelecimento da doença, não poderia responder nem por omissão (art. 1º), nem por ter deixado de assumir responsabilidade sobre o procedimento médico  de que participei (art. 3º).

Também não haveria necessidade de atribuir o insucesso a terceiros, colocando  culpa no colega. Quanto ao art. 31, eu respeitei a autonomia do jovem, mas ficaria um pouco incomodado com o art. 32- é vedado ao médico  deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente.

Neste contexto, contudo, o CFM reconhece que há embasamento científico no tratamento homeopático. Quanto aos art. 53 e art. 54, o colega foi devidamente comunicado quanto à evolução e houve  uma conjugação de esforços como um trabalho de equipe.

Este caso reforça o vigor da Bioética como instrumento útil para interpretação das vedações do Código de Ética Médica vigente em face das infinitas individualidades das relações médico-pacientes pautadas na boa-fé, ou seja com autenticidade para o outro e para si.

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