O princípio da autonomia deve ser observado pelo paciente antes e após a tomada de decisão sobre conduta a lhe ser aplicada. Quando previamente a mesma, ligado ao processo de deliberação, o objetivo é compreender e distinguir o que médico fica autorizado e negado a fazer. Resume-se no Consentimento Livre e Esclarecido do paciente, que documenta intenções e ajustes. Subsequentemente, o princípio da autonomia vincula-se à realização do decidido fazer, admite a renovação e a revogação parcial ou total do Consentimento e sustenta iniciativas de vigilância por parte do paciente.
A voz ativa do paciente é um direito estimulado pela Bioética da Beira do leito. A comunicação que faz expressar que aqui está uma pessoa que deve ser respeitada de modo geral e acolhida em particular em suas apreciações sobre o que acontece contribui sobremaneira para que se preserve o mais adequado nível de harmonia na relação médico-paciente. Ela dá a oportunidade para a franca discussão de contrapontos, assim direcionando para a conformidade entre as pessoas intervenientes. A manifestação sobre divergências com o esperado e sobre insatisfações pelo paciente, imediatamente vocalizadas, permite esclarecimentos para melhor compreensão dos fatos correções de desvios de atitude e, inclusive, de protocolos técnicos. Afinal, o paciente internado, por exemplo, está 24 horas testemunhando o que acontece consigo e no ambiente, portanto, mais observador do mundo real do que o médico que passa visita. Evidentemente, muitas atuações da equipe multiprofissional que cobre as mesmas 24 horas poderão ser mal interpretadas pelo paciente, todavia, observações com razão podem ser de alta influência na satisfação do paciente e na própria evolução clínica. O hábito de o médico indagar do paciente sobre eventuais dissonâncias na sua óptica fora do contexto clínico, durante a visita, por exemplo, é vantajoso para o caso, para a equipe e para a gestão.
O paciente partícipe ativo dos cuidados, vigilante e cooperativo, na medida da sua condição clínica, deve ser visto como possuidor de um envolvimento positivo com os processos diagnósticos e terapêuticos, consciente do empenho do médico e da equipe, ciente das dificuldades, e mais disposto a entender intercorrências. Em função deste engajamento favorável na preciosidade da sua saúde, qualquer visão apriorística de que os questionamentos rotulam o paciente como pessoa irritante é contraproducente e eliminadora de contribuições e aprendizados sobre atenção aos melhores interesses da individualidade de cada paciente.
Em outras palavras, o profissional de saúde que conhece a justeza do que pratica tem que se preocupar em deixar o paciente à vontade para expor os juízos negativos que fez de algum membro da equipe porque ele teria desvalorizado a sua capacidade de discernimento, sido desatento ao que ouve, enfim, sobre o que está considerando desrespeito a sua pessoa.
Muitos leitores estão pensando que é evidente que este deve ser o procedimento ético, pois ele assim se comporta. O mundo real, contudo, é diferente. Estatísticas do primeiro mundo com dados obtidos de hospitais bem ranqueados fazem perceber que pelo menos um em quatro pacientes não se sentem tratados como pessoa pelos profissionais de saúde que estão dele cuidando.
Ser gentil, não ser indiferente, exalar simplicidade e sinceridade fazem parte do ser médico e não devem ser vistos como algo irrelevante, com menos valor do que a qualidade técnica aplicada, que, não raramente, ouve-se que é o que interessa, o tradicional foco na doença. A História registra que muitos médicos de gerações passadas colocavam-se num certo pedestal, uma herança que a Bioética esforça-se por dar-lhe mutações humanísticas.
A linha de pensamento que vincula falta de respeito ao paciente e incidência de erros profissional não pode ser desconsiderada, razão para acreditar que ser médico com atitudes humanas contribui para o melhor resultado e para a restituição do bem-estar. A beira do leito não é um balcão que separa duas pessoas com desnecessidade da interpessoalidade.
A chamada pré-confiança, ou seja, o paciente procurar os cuidados de um hospital conhecido pela eficiência ou de um médico recomendado, é fator positivo para prover certa tranquilidade sobre a legitimidade do que será recomendado e praticado e sobre a atenção à pessoa em si. Este fator está intimamente ligado ao Sistema de Saúde e à gestão institucional. Uma coordenação voltada para a confiança na Segurança é eficiente na medida em que contribui para o desenvolvimento de uma cultura de empatia, idealmente associada à eficiência técnica de Beneficência. A experiência do InCor é atestadora. Partimos de um núcleo estruturado no Prédio Central do Hospital das Clínicas da FMUSP e desenvolvemos uma imagem institucional ímpar que foi fundamentada na atitude humanística de seus professores-líderes e dos discípulos sintonizados com a mesma. Mas, não pode ser esquecido, que o tempo é corrosivo, ou seja, há que se evitar dormir em berço esplêndido, pois as pessoas passam, mas as boas lições devem ser preservadas como patrimônio institucional.
A Bioética da Beira do leito entende que cada atendimento é uma oportunidade para que o médico faça ver ao paciente maneiras aceitáveis de estabelecer uma comunicação produtiva, não violenta, inclusive por meio de anotações sobre dúvidas, com o sentido de conciliação de conhecimentos antigos e recentes. Pois o médico conhece o técnico-científico profissional e o paciente a si próprio no aspecto de serem independentes da relação com outras pessoas e trocam estes conhecimentos quando em interação pelos cuidados com a saúde.
Na moderna concepção de time multiprofissional e interdisciplinar resolvendo a melhor forma de satisfazer às necessidades do paciente, uma vaga garantida- melhor dito indispensável- é a do paciente com voz ativa e respeitada.