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57-Janela Indiscreta

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Cena do filme Janela Indiscreta 1954

A questão é complexa bem ao gosto da Bioética. Conceitualmente, sem considerar  custos, toda pessoa numa determinada idade, por exemplo, aos 50 anos, deveria ser submetida a um exame completo incluindo as mais diversas tecnologias aplicáveis ao diagnóstico de qualquer condição mórbida e, ao final, receber um mapa da sua condição de saúde?

Vários tipos de respostas são esperadas, umas priorizando, outras desaconselhando exames. Não há dúvidas que o check-up é útil no cuidado com a própria saúde, pois pode antecipar  um problema, identificá-lo precocemente e beneficiar o prognóstico da situação identificada.

O ponto a destacar, porém, é que a biotecnologia está cada vez mais capacitada para identificar achados incidentais e secundários, com um percentual não baixo de caírem num vácuo de conduta com implicações práticas, éticas e legais.

Num extremo mais científico, faz-se a ideia médica que lacunas sobre condutas são úteis para gerar pesquisas resolutivas. Noutro extremo mais humano, dá-se o pensamento que as incertezas sobre a condução da situação assim criada resultam em risco de ansiedade para o paciente  que compromete a sua qualidade de vida.

A estratégia “watchful waiting”  compõe este vácuo de conhecimento. Ela admite heterogeneidades de possibilidades evolutivas como a reversão espontânea e o risco de adversidade excedente a um suposto benefício.

Na década de 50, o filme Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock fez sucesso com a história de um fotógrafo que quebrou a perna e passava o dia em casa bisbilhotando  a vizinhança até que viu uma cena que teria sido melhor que não tivesse visto.

Talvez Janela Indiscreta seja uma boa denominação para enfeixar reflexões sobre o valor de achados fora do objetivo do exame realizado, desde a simples análise da colesterolemia- um fator de risco de doença bem estudado- até o controverso mapeamento genético, passando pela profusão de imagens passíveis de serem captadas e gerar exclamações- ainda bem!- ou interrogações- e agora?.

Assim, podemos ampliar o contexto do check-up e abranger a realização de exames em geral na busca do diagnóstico de uma manifestação clínica e considerar que existem 4 modalidades de achados de anormalidade dentro ou fora do propósito da indicação original do exame: http://bioethics.gov/sites/default/files/FINALAnticipateCommunicate_PCSBI_0.pdf

 

1.       ACHADO INCIDENTAL ANTECIPÁVEL- aquele que se sabe que tem reconhecimento possibilitado pelo método utilizado. Por exemplo, a descoberta de uma imagem num órgão adjacente ao  alvo pretendido estudar pela tomografia computadorizada.

 

2.       ACHADO INCIDENTAL NÃO ANTECIPÁVEL- aquele que não poderia ter sido antecipado em face do conhecimento científico atualizado. Por exemplo, a descoberta de uma nova variação genética associada com o risco de determinado diagnóstico de doença.

 

3.       ACHADO SECUNDÁRIO- aquele é ativamente procurado, em geral por recomendação de especialista, mas não é o objetivo primário do clínico que assiste o caso. Por exemplo, a identificação de elevação do nível  de creatinina sérica durante o uso de antibióticos em quadro infeccioso sistêmico com potencial risco de nefrotoxicidade.

 

4. ACHADO PRIMÁRIO- aquele que é pensado existir e razão da solicitação do exame. Subentende um resultado determinado, por exemplo, normalidade ou anormalidade da glicemia de jejum.

 

Desta maneira, pode haver a mistura de informações obrigatórias pela circunstância clínica manifesta e de informações com graus maiores ou menores de “indiscrição”. Cada um deles gera apreciações práticas, éticas e legais nem sempre consensuais. Assim, a identificação, a revelação e o manejo dos achados em exames estão sujeitas a apreciações éticas sob quatro fundamentos:

a)      Respeito pela pessoa do paciente- Reconhecimento da autonomia do paciente para ditar rumos à própria vida. Ele implica na mais inclusiva e ampla discussão entre médico e paciente sobre o potencial de achados tanto fundamentais para a melhora da condição clínica manifesta, quanto desconectados da mesma e com critérios de conduta não necessariamente validados.

b)      Beneficência- O dever da aplicação do útil e eficaz para reversão ou não agravamento de situação clínica. Em função do potencial de adversidades, é desejável que os pacientes sejam informados sobre os riscos de intercorrências antes da realização do exame ou do procedimento.

c) Justiça – A virtude da equidade de tratamento para todos. Ela demanda sistematizações possíveis para dar uniformidade às estratégias de revelação e e manejo dos achados.

d)      Liberdade intelectual e responsabilidade- O dever do profissional de cuidar do progresso científico assumindo responsabilidade pelos atos. Ele deve ser sensível ao impacto de cada modalidade de achado sobre a qualidade e a duração da vida do paciente, além se preocupar com os eventuais danos da revelação.

O Presidential Commission for the Study of Bioethical Issues que assessora o Presidente dos EUA fez recentemente algumas recomendações para lidar com achados incidentais e secundários:

I-            Pacientes e voluntários de pesquisa devem ser alertados e esclarecidos sobre o potencial de achados incidentais e secundários em face de exames e de procedimentos;

II-          O esclarecimento deve ser feito antes da realização dos exames e dos procedimentos passíveis de gerarem os achados. Ele deve tratar do risco absoluto do achado representar doença para a individualidade do caso, além do risco relativo;

III-       Uma ampla discussão entre médico e paciente deve resultar num posicionamento preferencial sobre a revelação total ou parcial ou a não revelação de achados incidentais e secundários. A possibilidade de recusa ao exame proposto deve ser considerada;

IV-         Diretrizes assistenciais a respeito da categorização dos achados e de práticas no lidar com os mesmos devem ser desenvolvidos por grupos representativos de profissionais;

V-           Um passo-a-passo para a revelação- ou não-, prevendo seletividades em função da relevância clínica e preferências do voluntário, e o manejo por ocasião do processo de Consentimento Esclarecido deve ser planejado por pesquisadores e aprovado por Comitê de Ética em pesquisa;

VI-         Pesquisas devem ser incentivadas objetivando o conhecimento sobre tipos e frequência, custos, benefícios e danos da revelação e preferências de ser ou não informado de achados incidentais e secundários;

VII-         Material educativo de informação deve estar disponível para todos os intervenientes- profissionais, comissões éticas e pacientes, abrangendo considerações éticas, práticas e legais sobre achados incidentais e secundários.

VIII-       Organizações devem estudar os benefícios para o paciente e a custo-efetividade de usar um pacote de exames versus uma sequência conduzida de exames dentro dos conceitos de “elegância diagnóstica” na solicitação de exames e de “parcimônia terapêutica”  na atenção aos interesses de saúde do paciente em questão.

A Bioética da Beira do leito recomenda que cada médico construa sua própria visão sobre a conveniência de identificar, revelar e recomendar condutas em cada modalidade de achados desconectados do objetivo primário do exame, inclusive quando este objetivo for difuso como triagem em assim chamado checkup.  Refletir a sua atitude em relação a um sistema binário de movimento e não movimento. Abrir ou não abrir uma Janela Indiscreta, eis a questão que permite lapidações nas duas preciosidades éticas da relação médico-paciente, a prudência que evita danos desnecessários e o zelo que aplica o benefício necessário.

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