O inglês Richard Alan John Asher (1912-1969) foi quem descreveu a síndrome de Munchausen, em 1951 “… Uma síndrome comum que muitos médicos já viram, mas sobre a qual pouco se escreveu… Um grande desejo de ser o centro do interesse e da atenção… Múltiplas cicatrizes cirúrgicas, uma mistura de truculência e ambiguidade, com história não muito convincente…”. http://ac.els-cdn.com/S0140673651923136/1-s2.0-S0140673651923136-main.pdf?_tid=5032337e-a683-11e6-81c7-00000aacb35d&acdnat=1478699539_9b2a4628163d636f4c8383591a013cab.
Dono de um estilo direto, Asher ficou conhecido por artigos talentosos e contundentes sobre a prática da Medicina sob títulos chamativos. Considero-os mantenedores de grande valor atual, nenhuma ficção como na síndrome que relatou, pelo contrário, muita realidade sobre a prática na beira do leito, observações e ensinamentos que todos de alguma forma reconhecem na beira do leito de nossa contemporaneidade.
Apresento uma amostra da capacidade intelectual deste médico inglês que merece ser melhor conhecido.
Os perigos de ir para a cama -1947
… É rotina que a primeira providência perante a doença é colocar o paciente na cama. Acomodação no hospital é sempre numerada em camas. Doença é medida pelo período de tempo na cama. Médicos são avaliados por sua maneira à beira do leito. Cama embora não seja prescito como um comprimido ou como um purgante, funciona como tal para o tratamento. Talvez tenhamos que pensar duas vezes antes de recomendar a nossos pacientes irem para a cama e perceberem que sob o conforto do cobertor há emboscadas de danos sérios. É minha intenção justificar a colocação da cama e do túmulo na mesma categoria e elevar o nível de receio sobre a cama. Não há parte do corpo imune aos perigos da cama…
Pensando direto e de modo enviesado em Medicina- 1954
… Como médicos gostamos de ser homens de ação e homens pensantes, do muito que praticamos, cada ato é precedido por certa dose de pensamentos- ou deveria. Devemos prestar atenção ao modo com que estamos pensando, estudando, se nossa razão é ou não aceitável, se temos falhas de pensamento, se estamos inconscientemente usando métodos de pensamento ilógicos ou irracionais, e verificando se podemos melhorar a qualidade e eficiência de nossos pensamentos… Procurei sugerir que devemos ser acentuadamente críticos de nossos próprios pensamentos e dos outros, analisar todos os argumentos que nossos livros, nossos professores e nós próprios usamos. Encontrar pensamentos enviesados e evitá-los e, seguir o caminho do pensamento direto, não importa aonde nos leve, guiando-nos pelo escrito de Kipling (Rudyard, 1865-1936): Eu mantenho seis honestos servidores; eles me ensinaram tudo o que sei; seus nomes são o que, porque, quando; e como, onde e quem…
Fala, tato e tratamento- 1957
… Médicos selecionam fatores físicos e esquecem os psicológicos nos pacientes. O medicamento mais frequentemente usado na prática médica em geral tem sido o próprio médico, pois o importante não é o que se faz , mas o modo como é feito. Todo o poder da língua e da caneta e a sabedoria dos livros não podem ensinar ao doutor o conhecimento de quando investigar e quando deixar de fazer, quando censurar e quando reafirmar, quando falar e quando silenciar. Há mistérios particulares com soluções distintas para cada uma das milhares de seleções de personalidade entre médico e paciente. Há várias razões para o paciente desejar falar com o médico além do tradicional encontro para anamnese, exames e orientação, que incluem: tomar uma “dose de medicina” e “assuntar”, “chorar as mazelas”, sentir-se apoiado no que decidiu antes de procurar o médico, obter simpatia por suas ideias sobre causas “aceitáveis” da doença de que padece, obter “munição” para criticar outros profissionais. Ao falar com o paciente, o médico deve considerar a impressão que nele está provocando, ter uma atitude de tolerância, esclarecer com lucidez, inspirar confiança e não demonstrar que está com pressa de terminar o atendimento. Há pacientes cujos sintomas, embora de causa orgânica, causam mais desconfortos do que a gravidade da doença determinaria, em função de crença pessoal sobre os sintomas, o que deve motivar um esclarecimento do médico. Os médicos costumam desconhecem o que os pacientes pensam deles e não aprender o efeito da palavra, tato e tratamento…
Porque as revistas médicas são maçantes? – 1958
… Não tenho dúvida sobre esta apreciação. As cintas são sombrias e difíceis de serem removidas, fazendo com que as pilhas fiquem inconvenientes. As capas são igualmente sombrias. Propagandas interrompem a sequência. Títulos são desestimulantes. Muitos artigos atuais são escritos por múltiplos autores, o que desencoraja a leitura, afinal, dez homens não podem escrever um artigo assim como não podem dirigir um automóvel. O interesse por um autor dilui-se na lista dos demais. O papel é de má qualidade, em geral. É inevitável que o editor aceite uma certa quantidade de “lixo” para preencher cotas de publicação e para não ofender certos eminentes autores. O estilo da redação do artigo é essencial. Obstrui-se o significado com palavras obscuras e prolixidade pomposa. Quanto à extensão, artigos devem terminar antes que haja a perda do interesse na leitura…
Senso clínico: o uso dos cinco sentidos – 1960
… Uma capacidade supressiva produz surdez e cegueira seletivas e outras rejeições que podem fazer o médico deixar de considerar informações relevantes, por exemplo, de um paciente que é loquaz. A persistência na mente do médico da queixa principal pode fazer com que ele passe por cima de dados contados pelo paciente por não perceber de momento uma relação com a manifestação, mas cuja apreciação mais cuidadosa teria sido útil para aprofundar causas da queixa principal. Assim como os três macacos conhecidos, o médico fecha os olhos para observações que não se harmonizam com suas ideias, tampa os ouvidos para trechos da anamnese que parecem fora de contexto ou para ruídos de ausculta que não se incluem nos conhecidos e evita falar sobre observações que não constam nos textos dos livros ou opinar quando conflitaria com ideias correntes…