Recentemente, um bem sucedido médico atuante em gestão hospitalar desde o término da residência em cirurgia há cerca de 30 anos, relatou-me algo interessante. Ele precocemente distanciou-se dos pacientes porque sentia que estava despreparado para assumir as responsabilidades do comando de um ato cirúrgico, não desejava ser um eterno bom auxiliar, muito menos realizar tão-somente procedimentos pequenos, aqueles que, jocosamente, disse-me “até clínico faz”.
É tema de interesse da Bioética da beira do leito. Um grau excessivo de preocupação do jovem médico com o seu noviciado, temendo não alcançar adequados níveis de prudência, zelo e perícia quando se vê desamparado pela supervisão. Insere-se na chamada aflição moral, a intensa sensação de incerteza moral de conseguir se haver com integridade de seus valores. O jovem médico sabe bem o certo que tem que ser feito (ou não fazer), todavia prevalece um interior de incompetência técnica em relação à qualidade do atendimento que julga poder atingir, que, se baixa, faria violar seus valores com prejuízo para o paciente. A inação é uma resultante.
Inteligência emocional à parte, conta muito o quanto esta aflição moral é trabalhada no período de aprendizado sob supervisão. A pretensão por uma auto-suficiência no limite adequado significa o residente que se dedica, está sempre disposto, pró-ativo na medida certa, que acumula conhecimento sobre as distintas etapas do atendimento, enfim, que está longe de executar suas obrigações apenas burocraticamente. É aquele residente que sabe que quer ser um médico qualificado e se prepara para o pós-supervisão, ávido por enfrentar piores cenários, compreendendo a importância deles para a excelência do ser médico.