Bioamigo, imagine aquela velha balança de 2 pratos. Coloque no prato 1 uma muda de Nicotiana tabacum e no prato 2 uma muda de Cannabis sativa. Isso mesmo, tabaco x maconha. Qual a de maior peso maléfico? A verificação é complexa.
No presente momento, no Brasil, observamos a disposição de duas normatizações praticamente simultâneas. A lei 12546, anti-fumo federal, aprovada em 2011 e regulamentada em 2014 e a Resolução CFM nº 2.113/2014, que autoriza o uso compassivo do Canabidiol para situação especíífica http://portal.cfm.org.br/canabidiol/ e que torna nacional o que já havia sido motivo da Resolução CREMESP 268 de outubro de 2014.
Há um efeito psicossocial nesta regulamentação. Reforça-se a associação do tabaco ao malefício e dá-se um bônus de benefício para a maconha. A proibição do fumo em recintos públicos traz a conotação de Segurança para os não fumantes e a liberação do Canabidiol admite potencial de utilidade e eficácia. Modifica-se o caráter recreativo do tabaco para um olhar restritivo ao uso e reduz-se a visão punitiva sobre a maconha por uma participação terapêutica.
Vivencia-se, pois, um paradoxo, a maconha ganha uma normatização e o tabaco passa a ser estigmatizado. Fumar perdeu aquele glamour hollywoodiano.
É preciso, entretanto, que a questão do Canabidiol fique bem esclarecida para a sociedade, para não criar a generalização da ideia de benefício da maconha.
Por esta razão, a Academia Brasileira de Neurologia http://www.apm.org.br/noticias-conteudo.aspx?id=11541 lançou uma Nota Oficial a respeito: A Academia Brasileira de Neurologia… Posiciona-se quanto ao uso do canabidiol (CBD) em epilepsias de difícil controle… O CBD é o principal componente não psicoativo da cannabis, com reconhecido efeito antiepiléptico porém com mecanismo de ação, segurança a longo prazo, propriedades farmacocinéticas e interações com outros fármacos, ainda obscuros… As populações expostas ao CBD são compostas por pacientes com síndromes epilépticas heterogêneas que não responderam a qualquer outro fármaco, ou tiveram sérios efeitos colaterais com os medicamentos disponíveis no mercado. Neste cenário, um composto que tenha qualquer efeito benéfico torna-se potencialmente útil…Enfatizamos que o canabidiol terá aplicabilidade dentro do cenário das epilepsias intratáveis, de dificílimo controle, possivelmente com excelente resposta em alguns casos, razoável resposta em outros e nenhuma resposta em alguns, como observado com o uso de outros fármacos… A Academia Brasileira de Neurologia solidariza-se com as famílias das crianças e adultos com epilepsia refratária, resistente aos fármacos antiepilépticos… Mas acredita que a segurança e eficácia do CBD necessitam ser melhor estabelecidas por estudos bem conduzidos… Ressalta também que o uso recreativo de cannabis para epilepsia é completamente contra-indicado.
A História registra que Jean Nicot (1530-1600) – metonímia para nicotina- levou o tabaco trazido pelos europeus que descobriram a América para a França e as folhas eram “receitadas” para tratamento de cefaleias, asma e sífilis. Os índios brasileiros fumavam sobre doentes de sífilis e folhas de tabaco eram colocadas nas feridas a fim de “sugar o veneno”.
Já o rei James I da Inglaterra (1567-1625) editou uma manifestação de oposição ao tabaco, considerando-o repulsivo para os olhos, detestável para o nariz, danoso para o cérebro e perigoso para os pulmões.
A Medicina não incorporou o tabaco ao seu arsenal terapêutico, como fez, por exemplo, com a papoula de que se obtém o ópio. Esta planta permitiu a extração de alcaloides beneficentes como a morfina, a codeína e a papaverina. A lição é clara: fumar o ópio é uma coisa, aproveitar propriedades medicinais sob outra forma de consumo é outra.
O médico tem uma enorme responsabilidade em relação ao uso de qualquer substância que inclui nocividade para a Saúde em geral e benefício para certas situações clínicas. No caso de drogas ilícitas, inverte-se a “bula”. O efeito colateral é indicação de uso e não adversidade. A História da Farmacologia registra, ademais, o controle do veneno como é o caso da ipecacuanha, do curare e do captopril (mérito do brasileiro Sergio Henrique Ferreira, nascido em 1934, a partir de estudo do veneno da Bothrops jararaca).
Há evidências de que o médico-fumante, por exemplo, está menos propenso a identificar o estado de fumante do seu paciente, a adverti-lo dos malefícios e a encaminhá-lo para programas de ajuda à cessação do uso do tabaco. http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/15265161.2014.964881
Neste contexto, a eventualidade de o médico fazer uso de tabaco ou de droga ilícita, não somente é mau exemplo a partir de quem cuida da saúde da população, como também, prejudica a sua missão conselheira, portanto, reduzindo a sua influência pró-Segurança sobre hábitos do paciente.
E neste quesito Segurança, há discussão na literatura sobre Bioética http://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/15265161.2014.977078#tabModule a respeito do interesse em se identificar profissionais da saúde que possam fazer uso de droga ilícita no sentido de prevenir erros que poderiam ser assim causados.
A Bioética cuida para que os vários ângulos de uma questão de Saúde sejam apreciados sem preconceitos, sem maniqueísmos e com tolerância. Os conhecimentos se sucedem, trazendo reforço ou modificação de interpretações prévias. A ciência fundamenta, o humanismo sedimenta.
No caso da balança acima referida, o médico e o profissional da saúde de modo geral têm alta responsabilidade na função de ponteiro confiável indicador do peso da relação benefício-malefício de todo método aplicável em nome da Medicina. Eles precisam contribuir como fiel da balança sendo fiel a sua consciência profissional.
Uma resposta
O problema é como praticar a Bioética em situações de esquizoidia social… (rs)