Aprendemos no livro Comunicação Não-Violenta, Editora Agora, 2006, ISBN 85-7183-826-7, que, ao mesmo tempo em presumimos que não somos violentos, praticamos uma comunicação violenta. O autor Marshall Rosenberg, nascido em 1934, ensina que expressar um sentimento e não um pensamento ou manifestar uma observação e não uma avaliação contribuem para a comunicação respeitosa. Desta maneira, “- …Você não me escuta…” é um pensamento sobre a outra pessoa, enquanto que “- …Sinto-me excluído…” é próprio sentimento, melhor aceito pelo interlocutor. Além disso, “- …Você é um péssimo exemplo de quem cuida da própria saúde …” é uma avaliação, enquanto que “- … O seu modo de cuidar da saúde não me agrada…” é uma observação.
A Bioética da Beira do leito repercute o valor da comunicação “terapêutica” no vínculo médico-paciente. Cada dia dos mais de 45 anos de atividade profissional na beira do leito reforçou-me que, não somente quanto mais escuto o paciente, mais sou ouvido, como também, mostrar que estou de fato presente em face às necessidades requer a sintonia entre linguagem verbal e linguagem corporal. Sob inspiração da Bioética da Beira do leito, a Comunicação Não-Violenta pode ser renomeada de Comunicação Profissional Não-Maleficente na beira do leito.
A aplicação dos termos da Bioética facilita o médico tornar-se comunicativo com o paciente. Além de promover a confiança, estimula a apresentação de objetivos claros, favorece a disposição para escutar, respeitar outras opiniões e dar tintas humanas à tomada de decisões.
A Bioética da beira do leito não é exatamente um dicionário de esperanto, a beira do leito não é exatamente uma torre de Babel, mas a Bioética da Beira do leito contribui para aplainar o caminho da comunicação sobre o conhecimento, para alertar que só se deve falar sobre o que se sabe e para robustecer a correspondência entre atos e palavras.
A Bioética da Beira do leito não é a última palavra, mas presta-se a perscrutar o que possa estar depreciando a comunicação médico-paciente. Em rápidas palavras, ressalta fatores negativos como a exigüidade de tempo disponibilizado para a atenção às necessidades, a perda da atitude profissional, aquela que o paciente espera como postura do “ser médico”, e o equívoco da colocação da educação humanística em segundo plano. Em suma, desestimula a figura do autômato profissional.
A Bioética da Beira do leito entende que ditados como para um bom entendedor meia palavra basta ou falar vale prata, calar vale ouro têm aplicações distintas ao uso comum, o que por si dá uma medida da complexidade da comunicação médico-paciente. Ademais, a beira do leito necessita preservar-se de armadilhas, como a curiosa confusão que a língua portuguesa provoca em quem deseja aprendê-la, representada por pois sim/ pois não. As entonações costumam acentuar que pois sim é não e pois não é sim. E no sofrimento, a percepção se apequena.
Se é certo que o médico fala com o cérebro pelo conhecimento e com o coração pela solidariedade, é correto dizer que o paciente ouve com a pele, que sente o pedido de socorro que vem de dentro e capta os recursos de ajuda que vêm de fora. A Bioética da Beira do leito acredita que a palavra RECORDAR http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/recordar/ rotula magnificamente a experiência do médico essencial para tomadas de decisão. Como se sabe, recordar tem etimologia no coração e significado na mente.
Palavra não é sopa de letrinhas, mas a muito fria ou a exagerada quente desagradam. Na linguagem da Bioética da Beira do leito, a temperatura ideal é a que possibilita ser degustada, esfriar a cabeça e aquecer o coração. Por isso, a palavra qualifica a comunicação não quando ela é transmitida, mas como ela é recebida. É comum que esta situação não seja valorizada pelo jovem médico com o foco no aspecto técnico-científico e a sua compreensão ao longo dos anos constitui um forte indicador de maturidade profissional.
A qualidade na comunicação é um continuum ao longo da relação médico-paciente/ familiar. A sintonia permanente é lápis e borracha sobre um papel onde os acontecimentos são desenhados a mão livre; o que foi dito poderá ser redito e o que faltou poderá ser acrescentado. Assim como o paciente deve exercer o direito de renovar ou revogar o consentimento pós- esclarecimento, o médico tem o dever ético de reconsiderar a informação original à medida que se apercebe dos rumos, como faz quando reajusta doses ou muda a prescrição.
No caso do diagnóstico, à medida que o leque das hipóteses vai se fechando, cada eliminação terá justificado palavras que até possam ter trazido apreensões exageradas. Contudo, elas não representavam maleficência, vinculadas que estavam à boa-fé, a virtude do respeito à verdade. Neste contexto, a Bioética da Beira do leito preocupa-se que a convicção seja bem fundamentada em objetividades a fim de evitá-la como fator de prejuízo do estabelecimento da verdade, pois é fato que o antônimo da verdade é muitas vezes uma convicção desviadora e não uma mentira.
O médico sente-se em terra firme para transitar com argumentos técnicos sobre prescrevo ou não prescrevo. Mas quando se trata de comunicação, a seleção das informações por iniciativa própria ou em resposta ao paciente/familiar, coloca o médico em muitos terrenos movediços. Espelhar-se no que gostaríamos de ouvir se fossemos o paciente não é regra infalível. O paciente aceita, modifica ou rejeita a informação de acordo com vivências esquematizadas, propósitos, subtaneidade ou cronicidade da situação clínica e confiança no médico. Este, por sua vez, não consegue conversar isento de suas próprias emoções, o que pode fazer descarregar uma carga de ansiedade sobre o paciente despreparado para lidar com ela. Marshall Rosenberg ajuda com seus fundamentos sobre Comunicação Não-violenta para o treinamento do médico neste aspecto que costuma motivar representações contra maus comunicadores nos Conselhos Regionais de Medicina.
Em outras palavras, o médico produz a informação com um design e o paciente consome o estilo da mensagem por meio de um processo de decomposição e reorganização. O diálogo é o instrumento essencial para dar bons alicerces à reconstrução e a Bioética da Beira do leito proporciona plataformas. É importante que haja a máxima uniformidade nas informações e que cada membro da equipe de saúde não exagere no seu dialeto profissional. Da mesma maneira, a figura de um porta-voz da família é útil em situações de pluralidade de interlocutores.
Se a doença pode ser um desafio, a insatisfação do paciente é muitas vezes um enigma. Mas é certo que seis anos de graduação e outros tantos de especialização não formam o médico em Comunicação Profissional Não-Maleficente.
O diploma estará sempre um passo adiante porque todos querem a palavra do médico, mas nem todo paciente aceita estar do lado dela. Conforme a comunicação, a solução clínica torna-se um problema ético. A beira do leito testemunha desde conversações em mar de rosas a terremotos em escalas altas de Richter (o norte-americano Charles Francis, 1900-1985).
A Bioética da Beira do leito enfatiza que as palavras que não nos infernam são as que saem do céu da boca sem a participação da língua diabólica. O ato de bem dialogar acompanha-se da retroalimentação sensorial. Como na sabedoria popular, a comunicação médico-paciente requer órgãos dos sentidos aguçados, literal ou metaforicamente. Olho clínico, visão de profeta, gosto pela profissão, tato no cuidar, cheiro de diagnóstico e ser todo ouvidos são atributos indispensáveis. O sexto sentido não pode ser desprezado. O “terceiro ouvido” http://publicacoes.cardiol.br/abc/1997/6906/69060001.pdf resgata palavras que embora mal ouvidas foram armazenadas e cujo valor é percebido algum tempo depois (quando “cai a ficha”).
A linguagem corporal, uma palavra-chave ou uma afirmação em alto e bom som funcionam como bússolas para nortear o bom termo da conversação. É uma das razões porque o apoio da Bioética da Beira do leito magnetiza.
Uma resposta
Prezado Dr. Max , é delicioso ler seus artigos.
Parabéns pelo trabalho , é uma preciosidade para todos os profissionais da saúde .
Muito obrigada
Graziela