De acordo com o princípio da Autonomia, o paciente tem o direito de participar ativamente nas tomadas de decisão que envolvam a sua saúde. Na verdade, ocorre um processo de boas práticas para resolução da necessidade do paciente. Qual é o diagnóstico? Qual é o tratamento? São os alvos essenciais no desenvolvimento de pensamentos e de exames. O paciente acompanha com graus variados de imersão.
Exame é palavra abrangente, a primeira ideia que dá para o médico é exame físico ou exame complementar. Mas ela vai além. Examinamos a literatura, examinamos a nossa memória profissional, examinamos uma outra opinião de colega. Esta visão semântica é essencial para mantermos o direito à interpretação, no sentido de obter informações como matéria prima para construir a decisão. O consentimento do paciente é exame de seus valores e preferências. Nem sempre a decisão passa neste exame. A Bioética faz compreender a pluralidade do útil e eficaz.
Ponto importante sobre o exame é a questão do conhecimento disponível que habitualmente fica fora do âmbito da autonomia, ou seja, o paciente não participa ativamente opinando sobre em que tipo de fundamentação dar-se-á a recomendação que receberá. Nenhum paciente diz: “- Doutor, leia a diretriz…” ou “… Doutor, o senhor procurou as atualizações sobre a minha doença?…”. Há a presunção que o médico saberá de onde extrair, da sua própria cabeça experiente ou da cabeça de outros que escreveram a literatura. Parece o bastante, o que se espera do profissional.
Mas há uma outra cabeça de médico que costuma ficar oculta do paciente. Somos eternos alunos, quem estudou e valorizou o estudo se socializou desta forma, nunca perdemos o desejo pela facilidade de ouvir a palavra mestre de quem sabe melhor – se não perdermos a humildade.
Todos nós costumamos ter um elenco de colegas dignos de confiança para nos dar uma opinião especializada e a eles recorremos quando sentimos a necessidade. Afinal, não queremos errar, não poque seja eticamente vedado causar danos ao paciente por imprudência ou negligência, mas pelo aspecto ontológico, pela natureza médica de ser. De alguma maneira estamos atendendo ao Princípio fundamental V – Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente.
No passado, havia a figura da Conferência médica. Os artigos 21 e 22 do Código de Ética Médica de 1965 assim ensinavam quando ter a iniciativa http://portal.cfm.org.br/images/stories/documentos/EticaMedica/
Artigo 21- Ao médico assistente cabe a iniciativa da conferencia:
a) quando não puder firmar um diagnostico;
b) quando não tiver obtido resultado satisfatório no tratamento empregado;
c) quando necessitar do auxilio de especialista;
d) quando em determinados casos, tiver de confirmar prognostico grave;
e) quando supuser ou perceber o desejo do doente ou de seu responsável.
Artigo 22- O especialista solicitado para a conferencia deverá considerar o paciente como cliente do médico assistente.
O Código atual registra o seguinte Princípio fundamental http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20656:codigo-de-etica-medica-res-19312009-capitulo-i-principios-fundamentais&catid=9:codigo-de-etica-medica-atual&Itemid=122:
XVII – As relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente.
XVIII – O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade.
É do cotidiano irmos atrás do “consultor” ou aproveitarmos o que poderíamos chamar de “segunda opinião no cafezinho”, levando o caso de um paciente em geral não identificado de que estamos cuidando apenas na mente ou de modo documentado, por vezes apenas um fragmento da situação.
É ocasião paternalista, utilitarista e breve que idealmente pretende ser tão somente uma complementação ou um reforço, tende mais para a informalidade e cujo clima varia com o grau de amizade, o impacto da interrupção da rotina e a predisposição pessoal a dar a opinião. É encontro hipocrático, solidariedade não remunerável. O reconhecimento da competência opinativa é gratificante para a maioria, o ego agradece.
Mas e o paciente? Como fica a sua participação nos novos tempos de autonomia? Ele permanece apenas um fornecedor de dados e receptor de um acréscimo de boas práticas? Será que deve ser comunicado a respeito? Ele pode pensar que houve quebra de sigilo, mesmo garantindo que houve o anonimato? Comunicar a ele antes ou depois?
Se antes, implicaria num consentimento para o seu médico, que não é exigido se fosse para a consulta da literatura. Uma diferença? Não creio. Mas costumo verbalizar ao paciente quando já materializo a intenção na consulta. Em geral, funciona como uma permissão, tão somente, ou seja não há a opção pela negação do consentimento.
Se depois, é uma honestidade do médico para com o paciente e que visa a dar valor a uma tomada de decisão: “… Consultei o doutor…”, “… Consultei o professor…”, “… Levei no Serviço…”. A maioria dos paciente entende como atenção, como fator de segurança e fica agradecida e confiante: “… Se o meu médico se sentiu insuficiente, que bom que procurou preencher as lacunas…”. Alguns poucos ajuizam como insegurança, contudo, e ficam ressabiados: “… Será que não seria melhor ser cuidado pelo outro…”, fazer o quê. Neste ponto, fatores financeiros e de disponibilidade de tempo do paciente exercem influência a favor do primeiro comportamento, “que se embute no pacote”.
Não parece clara a responsibilidade do consultor sobre a evolução do caso nesta consultoria informal, em geral não registrada em prontuário do paciente. O costume é que o médico que fez a consulta ao colega proceda aos ajustes que entender necessário e assuma integralmente a decisão, ou seja, o consultor permanece eticamente oculto, afinal a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida.
Quem sabe, insucessos cortem futuras consultas ao “doutor, professor ou Serviço”, mas qualquer eventual avaliação ética não pode deixar de considerar o seguinte quarteto de artigos do Código de Ética Médica, com o terrível caput É vedado ao médico: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20658:codigo-de-etica-medica-res-19312009-capitulo-iii-responsabilidade-profissional&catid=9:codigo-de-etica-medica-atual&Itemid=122
Art. 3º Deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente.
Art. 4º Deixar de assumir a responsabilidade de qualquer ato profissional que tenha praticado ou indicado, ainda que solicitado ou consentido pelo paciente ou por seu representante legal.
Art. 5º Assumir responsabilidade por ato médico que não praticou ou do qual não participou.
Art. 6º Atribuir seus insucessos a terceiros e a circunstâncias ocasionais, exceto nos casos em que isso possa ser devidamente comprovado.
Em tempos de comunicação não presencial, eletrônica, tais consultas tenderão a ser “chats”- quem está longe já manda e.mails- e aí teremos direcionamentos de regulamentação como ocorre com a TeleMedicina, em que o sigilo ganha preocupação. É permitido. É vedado. Heteronomia.
Hipocrates cada vez mais relegado ao valor histórico. Exame de consciência!