Rachel Sztajn
Professora de Direito e membro da Comissão de Bioética do HCFMUSP
Justiça do Trabalho condena hospital ao pagamento de danos morais e materiais à família de técnica de enfermagem, que trabalhava na instituição, e que veio a falecer em 2009, por ter contraído o vírus H1N1, ou seja, por acidente de trabalho http://economia.ig.com.br/2017-10-27/hospital-indenizacao.html.
O acordão do TST bem o evidencia: havia vínculo laboral entre a falecida e a instituição hospitalar e o evento morte, segundo a família da falecida, resultou de descuido, negligência, da instituição que não teria adotado medidas de prevenção em face do surto do vírus H1N1. Diante de tal evento, argumentou-se, em virtude da gravidez, a técnica de enfermagem deveria ter sido transferida para outro setor do hospital em que houvesse menor risco de contaminação.
Esse argumento mostra que a família sabia, assim como deveria saber a técnica de enfermagem, que o ambiente hospitalar não é, exatamente, área infensa a riscos.
Teria a técnica de enfermagem solicitado sua transferência para setor menos propenso a contágios? Se o fez, teria a instituição negado o pedido? Se as respostas forem afirmativas, seja do ponto de vista jurídico, seja do ético, houve assunção do risco de contágio pela instituição.
Outros fatos deveriam ter sido analisados como, por exemplo, outras pessoas foram contaminadas à época, na mesma instituição/setor? Houve divulgação de medidas preventivas que deveriam ser observadas pelos profissionais que atuavam no local em relação ao vírus?
Respostas negativas serviriam de suporte para o recurso que o TRT da 17ª. região – (ES) -, que considerou não estar demonstrado nexo de causalidade entre a atividade desenvolvida e a contaminação. Com isso entendeu-se que faltariam provas por parte do hospital que juntara o prontuário médico
Admita-se que o prontuário espelha o quadro clínico e terapêuticas adotadas mas, dificilmente indica a origem de uma contaminação por vírus, portanto, a “prova” poder ser considerada insuficiente.
Nessa linha o TST, ao não aceitar os argumentos da instituição de saúde, de que à época enfrentava-se uma pandemia de H1N, o que era de conhecimento geral, segundo voto do Ministro Relator, tendo invocado relação de causalidade – trabalho no hospital e contaminação – deveria ter demonstrado, isto é provado, que não houvera negligência, imprudência ou imperícia dos administradores da instituição e que não havia notícia de outros casos ligados à instituição. Prova diabólica de dificílima demonstração? Não parece que seja o caso
De sua parte a técnica de enfermagem, dado o exercício de atividades em instituição de saúde, em que o ambiente pode amplificar riscos de contágio, nada obstante medidas preventivas sejam adotadas, deveria saber disso e, portanto, afastar-se, notadamente em situações de pandemia, de riscos contaminação.
Comuns relatos de profissionais de saúde contaminados em virtude da realização de procedimentos – cirurgião que se fere com o bisturi que está utilizando -. Tal resultado, igualmente acidente de trabalho, pode ser imputado ao hospital? Parece-me que não.
Configurado o acidente – morte da técnica de enfermagem, a família aciona o hospital na Justiça do Trabalho e obtém reparação a título de danos morais e materiais em seu benefício.
Estar-se-á em face de valoração da vida humana? Os pagamentos mensais configuram alimentos? O prazo de 39 anos refere-se à expectativa de vida da técnica de enfermagem? Parece-me que sim.
Teria havido algum viés protecionista da Justiça que, por óbvio, não pode ressucitar a técnica de enfermagem, sem considerar que, exatamente por atuar em hospital, tem corresponsabilidade pela adoção de medidas preventivas?
Talvez mais preocupantes sejam os efeitos de segunda ordem decorrentes desse tipo de decisão que, ao aumentarem os riscos do exercício de uma atividade socialmente relevante, venham a estimular o aumento de custos mediante adoção exagerada de medidas de precaução para evitar, ou no mínimo, provar que não havia negligência, imprudência ou imperícia de sua parte. Esses custos recairão sobre a sociedade pelo aumento de despesas.
Por derradeiro, como garantir-se que, ainda que a técnica fosse transferida para outro setor hospitalar, não haveria contaminação? Os vírus têm maus hábitos: disseminam-se não apenas por contato direto entre pessoas.