Dr. Ernesto Lippmann
Advogado
Um dos casos jurídicos mais interessantes dos últimos anos foi o do assassinato de um tetraplégico pelo seu irmão, por piedade e a pedido da vítima.
De acordo com o delegado Marcos Fuentes, Roberto desafiou o irmão a disputar um racha entre moto e carro. Geraldo acabou capotando o automóvel que dirigia. “Ele culpava o irmão e dizia que era obrigação dele matá-lo”, afirmou Fuentes. Segundo ele, a vítima vivia dizendo “nem me matar eu consigo!”. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2810201122.htm
Os irmãos cogitaram forjar um suicídio com um veneno, mas desistiram, porque Geraldo não teria como fazer isso sozinho. Eles, então, decidiram fazer com que o assassinato se parecesse com um roubo seguido de morte. No sábado, o sobrinho de Oliveira, de 15 anos, acionou os PMs e avisou os familiares de que um ladrão roubou R$ 800 e matou Geraldo.
O caso levantou suspeitas da polícia porque a vítima não teria como reagir, justamente por ser tetraplégica. Além disso, diz a polícia, causou estranheza o fato de o sobrinho não ter sofrido agressão.
O irmão foi preso temporariamente por homicídio doloso, mas teve a prisão revogada. O crime, por lei seria agravada por duas circunstâncias: primeiro porque era irmão da vítima e segundo porque a vítima era enferma. “Aí se vê uma ironia da Legislação: a mesma motivação que ele tinha para fazer o que fez, ou seja, ele amava o irmão e não suportava ver ele naquela situação de enfermidade, são as mesmas circunstâncias que agravam a pena dele”, disse o advogado.
Desde o início do julgamento o advogado de defesa, Edmundo Canavezzi, disse acreditar que a sentença seria favorável ao réu. “Eu espero pelo perdão judicial e que ele seja absolvido da conduta pela qual ele tomou. Roberto já foi perdoado pela família, que faz questão que ele seja absolvido. Esse é peso que ele vai carregar pelo resto da vida”, disse seu advogado.
O júri popular de Rio Claro (SP) absolveu Roberto Rodrigues de Oliveira. Seu defensor, Edmundo Canavezzi, disse que já esperava pela sentença favorável. “Roberto foi perdoado pela família e esse peso ele vai carregar pelo resto da vida. Os jurados acolheram a minha tese de que não se poderia esperar dele outra atitude senão àquela a qual ele adotou”, disse o defensor.[3]
O irmão assim se justificou: “Eu nunca pensaria em tirar a vida do meu irmão, mas ele pediu muito, era muito infeliz. Ele afetou o meu psicológico e eu acabei fazendo a vontade dele. Isso ainda me deixa abalado, por isso não quero falar sobre isso. Quero tentar seguir.” http://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2015/10/juri-absolve-homem-que-matou-irmao-tetraplegico-tiros-pedido-da-vitima-rio-claro.html
E, como podemos entender isto do ponto de vista jurídico? Afinal o homicídio, ou o suicídio assistido, mesmo piedoso, e sendo feito à pedido da vítima não é reconhecido pela lei brasileira, não havendo margem, para do ponto de vista jurídico, para se absolver quem o pratica.
Certamente o júri entendeu várias das considerações feitas pela defesa, como a de que se tratava de um homem trabalhador, que convivia harmoniosamente na Sociedade local. Com certeza, se tratava de uma situação difícil, afinal, como cuidar de alguém tão próximo, que dizia não mais ter interesse pela vida? Como aguentar as súplicas de alguém que dizia querer se matar, mas que sequer podia fazer algo para isto? O que fazer com este irmão, condená-lo a uma longa pena de prisão seria o veredito mais justo? Ele já não teria sofrido o suficiente?
Foi o que entenderam os jurados, e decidiram pela absolvição, ou seja, que o irmão não deveria ser punido pelo homicídio, mas o júri pode julgar contrariamente à lei? Sim, aqui vai um detalhe curioso e interessante do sistema legal brasileiro! O Júri é o único Tribunal Brasileiro autorizado a julgar como lhe parecer mais justo, ainda que isto contrarie a Lei.
A Constituição Federal em seu Artigo 5º, inciso XXXVIII afirma que é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos ;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
Assim, são inerentes à idéia do júri deque seja constituído mediante a representação popular, aberta a todos os cidadãos idôneos, independentemente de seu grau de instrução ou riqueza, a serem escolhidos mediante sorteio.
E os jurados “decidem pela sua íntima convicção, servindo as provas legais não de normas de agir, mas de meio de convencer (…); decidem de fato e não de direito, pois o juízo do povo, tendo-se em vista apenas a integridade de caráter e critério, só deve conhecer de questões para as quais bastem tais qualidades. Para os problemas de direito a lei põe, a seu lado, o juiz togado” (F. Whitaker, “Júri”, 1923, p. 9/10), ou seja, os jurados julgam pela visão social que a sociedade tem do crime, e pela emoção ou, na síntese do meu falecido amigo Paulo José da Costa, em sua biografia: “o júri é um tribunal do coração” (Defesas que fiz no júri p. 62).
Consequentemente, o Juiz de Direito apenas orienta os jurados para as implicações de seus votos, pois no júri, o Juiz não julga, mas apenas “traduz” para a linguagem jurídica as atenuantes, agravantes e exclusões decididos pelos jurados, cabendo-lhe também a redação da sentença e a direção dos atos do julgamento.
Assim, a decisão surge mediante a simples resposta dos jurados nos quesitos preparados pelo juiz. Deste modo, ao contrário da sentença judicial, tais respostas não necessitam ser motivadas, bastando o simples “sim” ou “não”.
Deste modo com base no princípio da soberania dos veredictos previsto na Constituição Federal, “O Juiz, ao proferir a sentença de pronúncia, deve limitar-se única e exclusivamente a apontar indícios e provas do crime e de sua autoria, deixando a cargo do Tribunal do Júri o exame aprofundado da matéria, pois tratando-se de crimes dolosos contra a vida, a incursão sobre o mérito da causa importa em indevida invasão de competência que a Constituição reservou ao julgador leigo (TJ-SP julgado publicado na Revista dos Tribunais 753/580). Sendo que há julgados que reconhecem que podem os jurados, “precisamente pela ausência institucional de fundamentação, decidir mais com apoio na ética social do que propriamente no direito estrito” (TJ-SP julgado publicado na Revista dos Tribunais 669/299).
Deste modo, perante o sistema legal, a decisão é perfeitamente aceitável, e podem os jurados julgarem contrariamente à lei, com base na sua consciência, entenderem que o réu não mereça ir para a prisão, em face das circunstâncias do caso concreto.
Acredito que este é um caso interessante, que deve merecer reflexão, e que devemos pensar qual o grau de pena que é cabível no caso do homicídio piedoso, ou seja daquele que é feito por razões humanitárias, a pedido daquele que está sofrendo, mas não tem condições de executar a sua própria morte, seja devido a uma limitação física decorrente da tetraplegia, seja devido a uma condição de terminalidade.