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PUBLICAÇÕES DESDE 2014

CB36- Dormindo com o inimigo (Parte 2)

REFLEXÕES BIOÉTICAS PARA SE CONVIVER EM UM MUNDO PÓS-COVID-19

Autor:  Dr. Marco Aurélio Scarpinella Bueno Masb
Colaboradores: Dr. Henrique Grunspun,  Dr. Abram Topczewski e  Dr. Max Grinberg
Produção do Centro de Bioética do Hospital Israelita Albert Einstein

 

Mas e quando a única certeza que temos é a incerteza? Afinal de contas o único aspecto previsível desta pandemia da COVID-19 é sua imprevisibilidade. Quem arrisca afirmar que nos próximos meses a doença dará uma trégua? Quem acha que poderá haver novas ondas de contágio?Conceito de Valores Morais, definição e o que é

Apesar dos especialistas ainda divergirem qual é o momento mais acertado para um arrefecimento nas medidas de isolamento social, é inegável que o prolongamento destas medidas acarreta uma série de problemas que envolvem a piora da própria desigualdade social (é mais fácil manter-se mais tempo isolado para quem mora melhor e ganha mais). Da mesma forma o aumento do desemprego pela estagnação da economia, questões educacionais, o incremento da violência doméstica e do uso de álcool e drogas, além da depressão induzida pelo isolamento são tópicos de suma importância.

Por outro lado, a literatura médica já mostrou que é a pandemia que prejudica a economia, e não as intervenções que visam a melhora da saúde pública (Greene J, Guanais F. Anexaminationofsocioeconomicequity in healthexperiences in six Latin American and Caribbean countries. Rev Panam Salud Publica. 2018;42:e127). Neste momento em que começam a ser discutidas estratégias de retomada da atividade laborativa é essencial lembrarmos que não é fácil a escolha entre saúde pública e liberdade individual.

A solução desta iniquidade não é obrigar alguém a “sofrer” em casa ou ser “livre”. As estratégias de saída têm que ser simultaneamente responsáveis ao lidar com a economia enquanto se combate o COVID-19.

Confiança e transparência, assim como ética, são essenciais em qualquer cenário. Em tempos de crise, ainda mais. São essenciais para engajar a população nas tomadas de decisão que devem ser coordenadas pelas autoridades públicas e que farão o contrapeso entre a liberdade individual do ir e vir e o interesse público de se manter o isolamento social até que o maior número de vidas seja salvo.

Uma população engajada é uma população solidária e solidariedade, entendida como um compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas, é outro valor fundamental a ser perseguido. Por conseguinte, a solidariedade leva à cooperação, que é atuar em conjunto com outros para um mesmo fim.

Solidariedade e cooperação são valores essenciais indispensáveis no combate a uma pandemia como a da COVID-19 e sem elas qualquer ação de saúde pública estará fadada ao insucesso.

Este engajamento da população é essencial para que haja massa crítica para se posicionar sobre eventuais propostas em relaçãoàs licenças de imunidade (ou transit visas a depender do tempo de imunidade conferido pela COVID-19), símbolo máximo da falácia de se considerar “economia ou saúde” ao invés de “economia e saúde”.

Os defensores destas licenças de imunidade se baseiam no racional de que aqueles indivíduos que contraíram a COVID-19 (ou se expuseram ao SARS-CoV-2) e que possuem imunidade podem reassumir mais rapidamente suas funções na sociedade, ficando livre de quaisquer medidas de restrição/isolamento social.

Neste momento só gostaríamos de lembrar que antes de defender ou não a licença de imunidade é imprescindível refletir se tal medida é ética, porque se for funcionará como um documento legal.

Ao ser legal determinará que existam direitos diferentes. Como justificar, então, direitos diferentes? Corre-se o risco das políticas públicas não levarem em conta o bem comum, e sim situações individuais. E ao não se levar em conta o bem comum, deixa-se de ser solidário.

Ao longo dos últimos cinquenta anos a bioética moderna foi muito centrada em valores individuais e na relação médico-paciente, especialmente ao combater o paternalismo e enfatizar a autonomia. Mas a pandemia da COVID-19 mostrou que é preciso avançarmos no campo da bioética da saúde públicaespecialmente quanto a justiça distributiva e alocação de recursos (que são sempre finitos). Como escreveu a Dra. Bonnie Henry (nascida em 1966), professora na Universidade da Columbia Britânica: “Podemos estar na mesma tempestade, mas certamente não estamos todos no mesmo barco” (Farr C How Canada is fighting Covid-19: Rampingup PPE production, travel ban from the U.S. and Bonnie Henry http://www.cnbc.com/).

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