PUBLICAÇÕES DESDE 2014

CBio17-Câncer: melhor maneira de morrer?

 

jcnDra. JANICE CARON NAZARETH

O médico Richard Smith, ex-editor do British Journal of Medicine, criou certo alvoroço na Inglaterra ao afirmar, em janeiro de 2015, que o câncer é a opção mais digna de morte. Segundo ele: “…A morte por câncer é a melhor. Você pode dizer adeus, refletir sobre sua vida, deixar últimas mensagens, talvez visitar lugares especiais pela última vez, ouvir suas músicas favoritas, ler poemas queridos, e preparar, de acordo com suas crenças, o encontro com seu criador, ou desfrutar esquecimento eterno…”.

 Oliver Sacks, escritor e neurologista, em artigo recente no NY Times, avisou  a todos que deverá morrer em breve, por câncer no fígado: “… Não posso negar que estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Eu amei e fui amado; doei muito e retribuí; li e viajei e refleti e escrevi. Eu tive uma boa relação com o mundo, a relação especial de escritores e leitores. Acima de tudo, eu fui uma criatura sensível, um  animal  pensante neste planeta maravilhoso, e isso já é um enorme privilégio e aventura…”

 Recentemente, perdemos o Dr. Wagner Felipe de Souza Weidebach (Waguito)- 1961-2015-, reumatologista e intensivista, colega fantástico, que trabalhou muitos anos nos hospitais Sírio Libanês e Oswaldo Cruz. Ele fora operado de câncer de intestino há 5 anos, com metástases há 3 anos, período em  que se submeteu a vários tratamentos com má resposta e progressão inexorável da doença, com várias internações, inclusive em UTI, decidindo, junto de seu oncologista, por tratamento paliativo.

Waguito foi fiel ao que conversávamos quando muito mais jovens e totalmente saudáveis: trabalhou até 15 dias antes da morte, quando fechou seu consultório e se despediu da secretária, colegas, pacientes, tomou as medidas administrativas necessárias, optando por ficar em casa enquanto possível,  visitado por seu oncologista e amigo regularmente.

Após esse período, já com dor e falta de ar insuportáveis, internou-se para a sedação final, não sem antes rever seus momentos de amor com a família e de dar orientações preciosas aos jovens filhos, e, até, de enviar, como de costume fazia desde os tempos de namoro, rosas vermelhas à sua esposa.

À missa de sétimo dia, com igreja repleta, a família falou sobre sua experiência privilegiada. Disse um colega: “…Nunca se queixava, apesar das dores constantes, de  seus males e suas possibilidades, e falava naturalmente sobre as condutas a serem tomadas. Um grande ensinamento para todos a sua volta…”

É fácil entender o alvoroço em torno da “melhor morte por câncer”, em uma sociedade que privilegia o belo artificial, o conforto e a matéria, na qual o contato humano, principalmente espiritual, é deixado para planos secundários, estimulando, como primeiro plano, convívios supérfluos e sensações de falso prazer, muito distantes daquelas que o desenvolvimento espiritual proporciona, uma sociedade onde o chorar e o sentir dor passaram não só a serem  amenizados, mas totalmente impossíveis de serem tolerados.

Se perguntasse a meus amigos e pacientes sobre a maneira como gostariam de morrer, todos diriam que subitamente e, de preferência, dormindo, e confesso que também compartilhava dessa opinião, pois a achava fácil, tranquila, sem sofrimento e uma verdadeira bênção para quem se vai.

Hoje, porém, após participar de várias experiências com pacientes e amigos em fim de vida, não só em câncer, mas outras doenças que preservam a mente, pude ver essa realidade, colocada em artigos pelos colegas Smith e Sacks, e em atitude pelo colega Waguito: precioso esse tempo de rever sua vida, de se reconciliar com pessoas e situações antes não solucionadas, de ensinar àqueles que ficam a dignidade da aceitação do inevitável, de poder se despedir e  agradecer pelas coisas boas por que passou.

Difícil, sim, mas de uma riqueza sem par!

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

3 respostas

  1. Um poema em http://www.meiotom.art.br/MORTALIS.pdf:

    Manuel Bandeira assim se expressou ao saber da morte do amigo Mário de Andrade nesse fragmento do poema “A Mário de Andrade Ausente”:

    Mas agora não sinto sua falta.
    (É sempre assim quando o ausente
    Partiu sem se despedir:
    Você não se despediu.)
    Você não morreu: ausentou-se.
    Direi: Faz tempo que ele não escreve.
    Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
    Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
    Saberei que não, você ausentou-se. Pra outra vida?
    A vida é uma só. A sua vida continua
    Na vida que você viveu.
    Por isso não sinto agora a sua falta.

  2. Querido Dr Wagner,
    É com grande tristeza que hoje e somente, hoje soube que vc nos deixou. Durante 15 anos tivemos pelo menos um contato anual, e somente no ano passado pulei essa etapa. Saiba os seus, que tinha uma admiração pelo seu trabalho e o orgulho de te-lo como “meu médico”. Neste momento me sinto sem chão, mas desejando que vc descanse em paz, vai com Deus, meu médico, meu amigo. Um abraço do seu eterno paciente e amigo!! Paulo Furtado

  3. Dr Wagner – a melhor referência que temos na medicina em nossas vidas! Viemos para SP em 2001, especialmente para uma consulta com ele …Perfil investigativo, comprometido e interessado, um exemplo de conduta humanizada !! Raro e precioso! Creio que seu trabalho continua em outro plano, cada vez melhor !

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES