O médico Richard Smith, ex-editor do British Journal of Medicine, criou certo alvoroço na Inglaterra ao afirmar, em janeiro de 2015, que o câncer é a opção mais digna de morte. Segundo ele: “…A morte por câncer é a melhor. Você pode dizer adeus, refletir sobre sua vida, deixar últimas mensagens, talvez visitar lugares especiais pela última vez, ouvir suas músicas favoritas, ler poemas queridos, e preparar, de acordo com suas crenças, o encontro com seu criador, ou desfrutar esquecimento eterno…”.
Oliver Sacks, escritor e neurologista, em artigo recente no NY Times, avisou a todos que deverá morrer em breve, por câncer no fígado: “… Não posso negar que estou com medo. Mas meu sentimento predominante é de gratidão. Eu amei e fui amado; doei muito e retribuí; li e viajei e refleti e escrevi. Eu tive uma boa relação com o mundo, a relação especial de escritores e leitores. Acima de tudo, eu fui uma criatura sensível, um animal pensante neste planeta maravilhoso, e isso já é um enorme privilégio e aventura…”
Recentemente, perdemos o Dr. Wagner Felipe de Souza Weidebach (Waguito)- 1961-2015-, reumatologista e intensivista, colega fantástico, que trabalhou muitos anos nos hospitais Sírio Libanês e Oswaldo Cruz. Ele fora operado de câncer de intestino há 5 anos, com metástases há 3 anos, período em que se submeteu a vários tratamentos com má resposta e progressão inexorável da doença, com várias internações, inclusive em UTI, decidindo, junto de seu oncologista, por tratamento paliativo.
Waguito foi fiel ao que conversávamos quando muito mais jovens e totalmente saudáveis: trabalhou até 15 dias antes da morte, quando fechou seu consultório e se despediu da secretária, colegas, pacientes, tomou as medidas administrativas necessárias, optando por ficar em casa enquanto possível, visitado por seu oncologista e amigo regularmente.
Após esse período, já com dor e falta de ar insuportáveis, internou-se para a sedação final, não sem antes rever seus momentos de amor com a família e de dar orientações preciosas aos jovens filhos, e, até, de enviar, como de costume fazia desde os tempos de namoro, rosas vermelhas à sua esposa.
À missa de sétimo dia, com igreja repleta, a família falou sobre sua experiência privilegiada. Disse um colega: “…Nunca se queixava, apesar das dores constantes, de seus males e suas possibilidades, e falava naturalmente sobre as condutas a serem tomadas. Um grande ensinamento para todos a sua volta…”
É fácil entender o alvoroço em torno da “melhor morte por câncer”, em uma sociedade que privilegia o belo artificial, o conforto e a matéria, na qual o contato humano, principalmente espiritual, é deixado para planos secundários, estimulando, como primeiro plano, convívios supérfluos e sensações de falso prazer, muito distantes daquelas que o desenvolvimento espiritual proporciona, uma sociedade onde o chorar e o sentir dor passaram não só a serem amenizados, mas totalmente impossíveis de serem tolerados.
Se perguntasse a meus amigos e pacientes sobre a maneira como gostariam de morrer, todos diriam que subitamente e, de preferência, dormindo, e confesso que também compartilhava dessa opinião, pois a achava fácil, tranquila, sem sofrimento e uma verdadeira bênção para quem se vai.
Hoje, porém, após participar de várias experiências com pacientes e amigos em fim de vida, não só em câncer, mas outras doenças que preservam a mente, pude ver essa realidade, colocada em artigos pelos colegas Smith e Sacks, e em atitude pelo colega Waguito: precioso esse tempo de rever sua vida, de se reconciliar com pessoas e situações antes não solucionadas, de ensinar àqueles que ficam a dignidade da aceitação do inevitável, de poder se despedir e agradecer pelas coisas boas por que passou.
Difícil, sim, mas de uma riqueza sem par!
3 respostas
Um poema em http://www.meiotom.art.br/MORTALIS.pdf:
Manuel Bandeira assim se expressou ao saber da morte do amigo Mário de Andrade nesse fragmento do poema “A Mário de Andrade Ausente”:
Mas agora não sinto sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se.
Direi: Faz tempo que ele não escreve.
Irei a São Paulo: você não virá ao meu hotel.
Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque.
Saberei que não, você ausentou-se. Pra outra vida?
A vida é uma só. A sua vida continua
Na vida que você viveu.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Querido Dr Wagner,
É com grande tristeza que hoje e somente, hoje soube que vc nos deixou. Durante 15 anos tivemos pelo menos um contato anual, e somente no ano passado pulei essa etapa. Saiba os seus, que tinha uma admiração pelo seu trabalho e o orgulho de te-lo como “meu médico”. Neste momento me sinto sem chão, mas desejando que vc descanse em paz, vai com Deus, meu médico, meu amigo. Um abraço do seu eterno paciente e amigo!! Paulo Furtado
Dr Wagner – a melhor referência que temos na medicina em nossas vidas! Viemos para SP em 2001, especialmente para uma consulta com ele …Perfil investigativo, comprometido e interessado, um exemplo de conduta humanizada !! Raro e precioso! Creio que seu trabalho continua em outro plano, cada vez melhor !