Um interno do 5◦ ano ano de Medicina perguntou-me se é frequente esta questão do paciente não aceitar a recomendação do médico, que ele não estava percebendo isto agora que estava mais perto da realidade da beira do leito. Respondi-lhe que a participação em Comissão de Bioética dá a percepção que o número mostra-se crescente e que há situações onde a ocorrência é mais comum. Acrescentei que o médico deve ter a iniciativa de esclarecer o paciente e certificar-se do seu consentimento, é um imperativo profissional contemporâneo.
Outro interno do 5◦ ano ano de Medicina emendou na pergunta do colega se o Código de Ética Médica é suficiente para nortear a atitude do médico. Fiz ver a ele que o Brasil está no seu oitavo Código que incluiu em 2009 várias resoluções que foram dando atualidade ás boas práticas desde o último em 1988. E que a Bioética da Beira do leito facilita interpretar o significado de vários artigos para realidades de cada caso e orienta o médico a como praticar para não ofender o é vedado ao médico que encabeça a maioria dos mesmos artigos.
Um terceiro interno do 5◦ ano ano de Medicina lembrou que ele só precisará “obedecer” ao Código de Ética Médica após a colação de grau e quando receber o número de inscrição do CRM, mas que já tinha o convívio da Bioética desde o início da sua formação e que à medida que foi entendendo melhor de que precisa para ser um bom médico passou a se interessar pelo valor da Bioética.
Pouco mais de um ano separam estes estudantes da responsabilidade de médico diplomado e devidamente legalizado e autorizado ao exercício profissional. Quando eu me formei havia a Deontologia e não havia a Bioética. Não posso dizer que não tenha recebido ensinamentos de como cuidar com humanidade do paciente, obviamente ajustados à época, final dos anos 60. Hoje, a Bioética está aí ocupando um espaço imprescindível para fundamentar reflexões do médico sobre suas atitudes em face da expansão diversificada das variáveis técnicas, científicas, sociais, econômicas e culturais de impacto na relação médico-paciente.
Procuro deixar claro aos estudantes quase médicos que a Deontologia expressa no Código de Ética Médica e a Ontologia expressa na Bioética não correm em paralelo exatamente, elas se tocam e seguem interdependentes onde houver beira do leito. Assim:
Ética e Bioética são xifópagas ligadas pela moral. Não há indicação para separá-las, aliás elas foram unidas para a sobrevivência.
Ética e Bioética não são para uso qual licença poética, não combinam com atividade frenética, muito menos servem para aplicação cosmética. Elas dão dimensão estética à beira do leito!
A Prudência por parte da Ética e a Autonomia por parte da Bioética comungam-se na relação médico-paciente/familiar e dão valor à etapa da tomada de decisão de puxar o arco sem soltar a corda, assim evitando a flecha “sair pela culatra”. Pois é fato que entre armar a estratégia de conduta diagnóstica ou terapêutica e aplicar posiciona-se um fator moderador pró-humanização da ciência conhecido como consentimento livre e esclarecido. Cada cabeça, uma sentença! versus cada evidência, uma recomendação!
Assim, o médico, depois que aprende o que fazer nas fontes habituais de difusão do conhecimento, tem de se aperfeiçoar com a Bioética para bem compreender o que não é para fazer e poder chegar eticamente ao que está autorizado a fazer pelo paciente. Qualquer entendimento ingênuo de paciente à disposição é desaconselhado e direcionado para médico atendendo nas duas regências verbais: atender ao paciente e atender o paciente!
A Bioética, balizando os passos do médico no sentido da individualização caso-a- caso, contribui para que ele se conscientize que não tem o direito de recusar a recusa do paciente. Esta boa ação é, pois, fator de tolerância a pontos de vista divergentes e força estimulante aos ajustes conciliatórios. Não é verdade que é conversando que a gente se entende?
A atenção do médico aos princípios da Bioética concorre para reduzir a chance da solução para o paciente materializar-se qual um bumerangue, não atinge nenhum alvo, e ainda retorna como problema sobre a cabeça do médico propositor. Após o feito indevido ou o acontecido desavisado, não adianta chorar a beira do leito desarrumada!
Quando o paciente aceita o risco de adversidade, após ter sido informado da sua natureza, intensidade e probabilidade de virar um dano, o médico se livra da carga de ter de responder como um profeta da boa sorte. Métodos diagnósticos e terapêuticos não são precisos mapas geográficos ou infalíveis GPS programáveis para um destino previamente conhecido.
O médico chega ao paciente sabendo o script, o paciente precisa de tempo para “soletrar” cada palavra recebida. Cada informação requer uma velocidade entre as sucessivas estações de decisões.
Em tempos da aposentadoria do velho diagnóstico de relance, quando o famoso olho clínico padece de catarata e o respeitável “pois não, senhor doutor” virou figura de museu, quando certas tecnologias são tão estimulantes vistas para o vizinho quanto atemorizantes sentidas para si próprio, e, quando cada vez mais a internet reforma a beira do leito à medida que informa/transforma/deforma, cresce a necessidade de fortalecer a confiança que o médico será zeloso com a aplicação da técnico-ciência e virtuoso com a humanização.
Dizem que a confiança é um cheque em branco. Diríamos que a Bioética é um cartão de crédito. Segurança para a transferência de valores éticos!