Ocorre muitas vezes: o método terapêutico consagrado falha e o placebo funciona. É desafio na relação médico-paciente. Peculiaridades genéticas e psicológicas compõem possíveis explicações.
Outras vezes, o benefício terapêutico pretendido é alcançado, mas acompanha-se de adversidades, danos ao paciente que podem ser tanto irrisórios quanto dominadores da expressão clínica da terapêutica.
Na prática assistencial, há certos números estatísticos que sustentam as expectativas de bons e maus resultados, antes da aplicação do método terapêutico. Eles podem ser vistos como verdades, fruto de observações e de registros, mas não são certezas.
De fato, a certeza é individual, para aquele determinado paciente, e conhecida somente após o processo evolutivo ditado pela terapêutica. Por isso, otimismo cabe, profecia não na palavra “amiga” do médico ao paciente.
As incertezas clínicas nutrem a cautela científica. Validações de nova ideia plausível, de método terapêutico inovador e de modificação da rotina requerem “atestados” de verdades de efeitos. Bons ou maus, o quanto de bom e de mau. Evidências recolhidas em pesquisas sistematizadas são consideradas “padrão ouro”.
No século XX, cristalizou-se a prática do estudo clínico randomizado para certificar inovações com grau ético de precisão científica. Ele associa comparação com método vigente ou com placebo e análise da probabilidade de erro, podendo haver maior ou menor conhecimento pelo investigador da efetiva constituição dos grupos, afim de minimizar influências sobre a probabilidade de erro das conclusões (estudo cego). É substrato para o “atestado” de um progresso da Medicina. Pelo menos nas circunstâncias estudadas de inclusão e de exclusão. Estas suprimem vieses mas podem provocar distanciamentos do mundo real da beira do leito. A chamada fase de mercado, onde a aplicação será expandida além do de fato estudado é sempre um desafio à validade do referido “atestado”. As apreciações quantitativas que sustentam as mesmas impõem reprodutibilidade e ajustes de superioridades ou de não inferioridades para significar de fato boas práticas. Elas são essenciais para a boa tradução da pesquisa para a beira do leito, caso a caso.
A história registra um ancestral da randomização atual dos voluntários. Era a constituição de dois grupos de pacientes, inicialmente, e, depois, a realização de um sorteio- cara ou coroa- para direcionamento em bloco para o método A e para o método B. Houve também a formação de grupos numa sequência alternada, em que os números ímpares e os números pares de inclusão dos voluntários referiam-se a mesmo método. Outro aspecto histórico interessante é que por décadas as mulheres foram excluídas das pesquisas, inclusive, quando interessadas pela incidência da doença em estudo.
Credita-se a primeira randomização do voluntário de pesquisa, nos moldes atuais, ao protocolo para análise da eficácia da imunização para coqueluche, na década de 40 do século XX, numa certa simultaneidade com estudo sobre o efeito da estreptomicina no tratamento da tuberculose pulmonar – que foi publicado antes do que aquele.
De interesse da Bioética, houve, inicialmente, opiniões divergentes sobre a necessidade de consentimento do receptor da inovação que aderia às pesquisas. Todavia, dentro de uma coerência: quem entendia que não havia necessidade do consentimento na assistência tinha a mesma atitude para a pesquisa e vice-versa. De certa forma, este pensamento harmônico contribuiu para a generalização -pesquisa e assistência- da obtenção do consentimento a qualquer ato médico, acoplada ao princípio da Autonomia.
O embrião para a rotinização de um termo por escrito desde o pesquisador para o voluntário, contendo a descrição do estudo afim de sustentar o consentimento- ou não- foi a necessidade de se estudar criança e adolescente entre 6 a 18 anos no projeto sobre imunização da coqueluche. A motivação fundamental foi informar aos pais que metade dos casos, apenas, receberiam a vacina em teste.
Outro aspecto histórico relevante foi que um forte argumento utilizado por muitos para se opor à realização da pesquisa – a suspensão ao final do estudo de eventual benefício era antiética, pois não “retribuía” a doação do corpo pelo voluntário-, tornou-se, mais recentemente, uma poderosa conquista ética – a manutenção do método após o encerramento do estudo.
Manter o método para aqueles sabidamente beneficiados durante a pesquisa tem fundamento no chamado Princípio do Equilíbrio Clínico formulado há cerca de 30 anos, segundo o qual a necessidade ética de uma pesquisa é genuína quando há incertezas na comunidade médica e, não necessariamente, na individualidade do investigador http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJM198707163170304. De modo mais didático: O equilíbrio existe entre os métodos M1 e M2, relativo a uma questão Q para indivíduos com características médicas bem definidas CM, quando há dúvidas reais sobre a clara vantagem terapêutica de M1 e de M2 para tratar Q em indivíduo CM.
A Bioética da Beira do leito enfatiza: enquanto não há um método M3 vantajoso sobre M1 e M2. e assim por diante.