Neste 4 de fevereiro de 2015, os brasileiros foram informados que Anderson Silva teria lutado com Nick Dias sob efeito de uma substância proibida em competição. Aguardemos mais testes, esperando que eles tragam um desmentido aliviador. O Brasil precisa de pessoas públicas-exemplo para as novas gerações.
WADA é a sigla de World Anti-Doping Agency, uma organização independente que se interessa por pesquisas e por atividades educacionais sobre o tema e pela vigilância do cumprimento de um Código anti-doping, com atualização vigente a partir deste ano. Recentemente, o seu presidente declarou que o combate ao doping é importante não só para a preservação do espírito esportivo, mas para a sociedade de modo geral. Ele lembrou que o uso de substâncias relacionadas como doping para atletas de elite estende-se para o esporte recreacional, para jovens que desejam ficar fortes e para idosos que buscam a “fonte da juventude”, e que há facilidades de acesso pela internet a substâncias com origens não bem esclarecidas. Ele enfatizou que o esporte, ao se tornar indústria lucrativa, despertou comportamentos reprováveis pela moralidade.
A história registra que atletas olímpicos gregos antigos, três séculos antes do início da contagem atual, tomavam vinhos, comiam cogumelos alucinógenos e sementes de gergelim para melhorar o desempenho, além do uso de certas ervas analgésicas para possibilitar a continuidade competitiva. Quem fosse pego no delito, poderia ser vendido como escravo. No início do século XX, o doping foi introduzido em corridas de cavalo e atletas de alto nível estavam sujeitos aos “encantos” da estricnina, heroína, cocaína e cafeína.
A Bioética entende importante analisar o doping numa dimensão além da vantagem momentânea sobre massa muscular, força física, capacidade aeróbica ou anaeróbica. Há uma nítida questão abrangendo a relação benefício para o atleta /segurança da pessoa, além de eventual participação do médico.
Uma forte evidência da realidade desta interrelação foi a revelação de documentos secretos após a queda do muro de Berlim. Conheceu-se que o governo da República Democrática Alemã promovia o uso de esteróides androgênicos para atletas de elite, inclusive o financiamento de teses, publicações científicas e simpósios, numa colaboração extra-oficial de um número expressivo de médicos e de cientistas. Professores consagrados orientaram pesquisas sobre doping e sobre como evitar a detecção por testes internacionais de controle e prescreveram drogas não aprovadas a milhares de atletas, incluindo menor de idade. Mulheres receberam andrógenos para “melhor representar o país em competições” e um percentual delas apresentou efeitos adversos sobre sexualidade, função hepática e potencial teratogênico. http://www.clinchem.org/content/43/7/1262.long
A figura exposta no blog ilustra a eficácia do programa que acabou desvendado. A atleta já treinava há 14 anos, ganhou extraordinária força muscular rapidamente e venceu competições. Antes do uso do esteróide, ela não atingia 18 metros, após bateu o recorde, elevando-o para 20,1 metros. Em períodos sem o uso, o desempenho tinha forte queda, mas apresentava discreto efeito residual positivo.
Portanto, neste período de “doping oficial”, a frase histórica O importante não é vencer, é competir com dignidade, pronunciada na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, em 1908, foi altamente ofendida. Mais triste, pela informação da participação ativa de médicos, que interessados no “científico” e subservientes à Política davam as costas para a Ética. Não agradaria, também, ao educador francês Pierre de Frédy (1863-1937), o Barão de Coubertin, idealizador dos Jogos Olímpicos Modernos, mas por outro motivo: ele nunca aceitou a participação feminina nas competições, razão, inclusive, da sua destituição do Comitê Olímpico pela força de movimentos feministas. Não foi ideia delas, certamente, separar o coração do Barão do corpo antes da cremação na Suíça e colocá-lo num monumento erguido em sua memória, nos arredores das ruínas gregas de Olimpia.
Pressão por desempenho, lesões físicas, dor e tempo curto de qualidade de vida esportiva são fatores que atraem para o doping. Cabe à especialidade médica reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina com a finalidade de cuidar do atleta de uma forma global e do indivíduo em exercício físico, da prevenção ao cuidado de lesões (Medicina Esportiva), responsabilidades no esclarecimento aos brasileiros de aspectos teóricos e práticos sobre o doping no Brasil.
O propionato de drostanolona, que está noticiado como a substância supostadamente utilizada pelo lutador brasileiro, é um esteróide androgênico anabolizande usado com o objetivo de aumentar a massa muscular. Ele faz parte da lista de proibições da WADA, atualizada em 2015. https://www.wada-ama.org/
Anabolic agents are prohibited.
1. Anabolic Androgenic Steroids (AAS)
a. Exogenous* AAS, including:
· Drostanolone
O abuso desta classe de droga tem o potencial de trazer um lado indesejado pelo usuário, provocar-lhe adversidades cardiovasculares, hepáticas, psiquiátricas e dermatológicas.
O doping é prática secular e não tem perspectiva de eliminação, em face das crescentes e sedutoras recompensas de várias naturezas. Há estatísticas recentes apontando que, apesar dos esforços da WADA, do Comitê Olímpico Internacional e de Federações em vários países, o doping mostra-se em evolução, com exposições periódicas de ídolos. Recorde-se o caso do ciclista Lance Armstrong, nascido em 1971, que passou de herói a vilão do esporte, porque se verificou que as brilhantes vitórias foram conseguidas sob efeito de doping.
A Bioética interessa-se pelos vários aspectos intervenientes no consumo de substâncias proibidas, verdadeiras sereias com cantos irresistíveis que atraem com perspectivas de destruição. Especialmente, por reflexões sobre a moralidade e o auto-controle, o dueto que tem a mais forte associação negativa com intenção e atitude frente ao doping. Educar é preciso!