“…Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo…” . Se Arquimedes de Siracusa, o autor desta frase, fosse médico na atualidade, diria: “…Dê-me um cateter e um contraste e eu alavancarei um mundo de diagnóstico e intervenção terapêutica…”.
Neste exato momento, há um médico usando o estetoscópio, outro um transdutor de frequência e mais um manejando um cateter por dentro de algum vaso sanguíneo. Os dois primeiros não invadem o corpo do paciente e vale-se de propriedades do som. Eles “sugam” informações naturais.
Já o cateter movimenta-se por locais tão-somente percorridos pelo sangue do paciente, até então, e lhe acrescenta um contraste que permite tornar a circulação radiopaca e, se necessário, restabelecida convenientemente por um estranho bem-vindo dispositivo terapêutico.
Foi um alemão, Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) quem nos legou dois pensamentos para nunca esquecermos: “…Pensar é fácil. Agir é difícil. Agir conforme o que pensamos, isso ainda o é mais…” e “…Ideias ousadas são como as peças de xadrez que se movem para a frente; podem ser comidas, mas podem começar um jogo vitorioso…”.
Foi outro alemão que seguiu Goethe, tornou-se um transgressor e venceu pela determinação na sua ideia. Os colegas engajados na Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista devem reverência a quem deu o primeiro lance para a vitória. O seu nome é Werner Theodor Otto Forssmann (1904-1979), o pioneiro antes de André Cournand (1895-1988), Dickinson Woodruff Richards (1895-1973), F. Mason Sones(1918-1985), Andreas Roland Grüntzig (1939-1985), o nosso inesquecível Siguemituzo Arie (1937-2000) e José Eduardo Moraes Rego Sousa.
Forssmann conhecia os experimentos de fisiologistas franceses de medição de pressões cardíacas em animais pela inserção de cateteres. Aos 25 anos de idade, estava convencido que a técnica era segura para o homem. E partiu para a demonstração. Como um transgressor, pois não obteve a autorização superior que solicitara no Auguste-Viktoria Hospital, em Eberswalde, uma cidade próxima a Berlim.
É uma história de vários atos:
1- Forssmann inseriu um cateter urológico na própria veia cubital esquerda por cerca de 65 cm, andou do Centro Cirúrgico até a Radiologia e com a ajuda de uma enfermeira que segurava um espelho a sua frente em ângulo para que pudesse observar a progressão do cateter. Ele conseguiu a progressão até o átrio direito, mas pretendia o ventrículo direito. O cateter era curto!
2- Num outro dia, Forssmann teve a ajuda da enfermeira Gerda Ditzen que lhe arranjou a caixa de dissecção venosa. Ela insistiu para ser a “cobaia”, Forssmann, então, a amarrou na mesa como se fosse nela atuar, mas, na realidade realizou a operação de inserção do cateter em si próprio, conseguindo o seu intento. A ideia se realizara!
3- Com a radiografia histórica, em pouco tempo, o Hospital entrou em alvoroço com a novidade. O chefe Richard Schneider ficou numa ambivalência, punir a desobediência ou parabenizar o desobediente, era a questão.
4- Prevaleceu o “tudo pela ciência”, mas havia um probleminha. Uma publicação sobre diagnóstico não seria bem recebida, imaginava-se. Então, publicou-se uma ação terapêutica numa paciente em choque por septicemia puerperal com injeção de adrenalina e estrofantina.
5- Foi pior a emenda do que o soneto. Forssmann foi acusado de plágio por Ernst Unger, que entendia ser o pioneiro na publicação de aplicação intra-arterial humana de medicamento.
6- O editor chefe do Klinische Wochenschrift , a revista que publicara o artigo de Forssmann, o defendeu. Ele declarou que só aceitou o manuscrito de Forssmann depois de rever a literatura e convencer-se do pioneirismo de Forssmann.
7- Houve um final feliz no ano de 1956. Werner Forssmann foi laureado com o Prêmio Nobel em Medicina junto com os americanos André Cournand e Dickinson Woodruff Richards.
8- A biografia de Forssmann tem outras facetas. Ele entrou para o partido nazista, aparentemente com a promessa de um retorno econômico e profissional, mas tudo indica ter colhido apenas pesar e angústia.
9- E ainda uma curiosidade para os dias hoje. Forssmann casou-se com a médica Elsbet Engel em 1933. Ele teve de mudar de hospital, pois era proibido marido e mulher trabalharem em mesmo ambiente.
10- Werner Forssmann faleceu em consequência de um infarto do miocárdio.