3834

PUBLICAÇÕES DESDE 2014

37-A diretriz, a laranja e o suco

laranjeirasucolaranjaUma diretriz é comunicação da literatura com a beira do leito. Qualifica-se em duas partes: análise crítica do conhecimento acumulado e recomendações em classes e níveis.

As combinações de classes (dimensão do efeito)  e níveis (estimativa de precisão)  formam proporções distintas dos componentes do binômio risco-benefício.

Destacados dados e fatos decantados de publicações qualificadas  são adjetivados como evidências e   adverbializados.

O advérbio imprime uma circunstância de qualidade de mérito científico: uma melhor evidência  quanto à utilidade, eficácia e confiança. Subentende, pois, que há “evidências menores”.

Três destaques para reflexão:

1- A ordenação-varredura da literatura realizada pelos comitês de elaboração de diretrizes representaria instância superior a dos corpos editoriais das revistas. Estes avalizaram as publicações como cientificamente corretas, as subsequentemente bem ou  mal  ranqueadas como evidência pelos comitês de diretrizes.

2- Os membros dos comitês- tão sensatos quanto humanos- que tacitamente “pensam” pelo universo de especialistas “do planeta”, fortemente legitimados pela credibilidade das sociedades de origem, emitem decisões que não são necessariamente neutras, estão sujeitas a lobbies, podem resultar de votações com resultados apertados, devem ser adaptadas a circunstâncias clínicas e culturais locais e, além disso, decodificações de certas expressões de linguagem (devem, podem) podem ser complexas.

3- A disponibilidade de diretriz dispensaria o médico de se aprofundar por si só numa revisão crítica e exaustiva da literatura. O autodidata moderno corre o risco de ser um diretrizófilo.

Mas será que é o bastante? Parece ser controverso.

Se por um lado, quem não tem experiência no tema não deveria usar diretriz para tão somente “agora saber o que fazer”, por outro, aquele que tem experiência pode ter as suas verdades vivenciadas, estar apto à interpretação judiciosa da literatura e daí superpor ou não a sua à melhor evidência assim incluída na diretriz.

O cotidiano da beira do leito registra combinações variáveis de 5 E, ou seja a Evidência convive com Experiência,  Eficiência, Envolvimento e Ética.

A formação do ser médico no compasso do estado da arte pressupõe educação continuada da formatura à aposentadoria. Por outro lado, o processo de aprendizado desde a bancada até a beira do leito requer competências distribuídas: há quem gera os conhecimentos, há quem os difunde, há quem os armazena, há quem harmoniza o novo com o clássico, há quem aplica ao paciente, há quem faz a gestão, há quem fiscaliza pela sociedade.

A pluralidade de aptidões num indivíduo existe, é digna de elogios, mas não parece ser a regra.  É essencial assumirmos a função que podemos exercer com excelência, esta atrelada à honestidade (sempre absoluta) e à eficiência (vista de modo relativo a inúmeras circunstâncias).

O que ocorre é que o passar do tempo pós-residência médica é cruel, pois multi-influenciável. À medida que nos distanciamos da formatura, há uma humana tendência à exigüidade da disponibilidade de tempo para acompanhar o continuum do galope da ciência. Valorizam-se, então, as diretrizes, apreciamos a decisão pronta.

Exercer-se médico acolhe opções, por gosto, necessidade ou oportunidade. Tomar um suco de laranja também:

Opção 1- Vamos ao pomar, entramos no laranjal, verificamos as laranjas que estão consistentes e maduras, colhemos algumas, colocamos numa sacola, levamos pra casa,  cortamos cada uma ao meio com faca afiada, esprememos com uma técnica, coamos,  desprezamos o bagaço e  tomamos o suco num copo. Acadêmico básico!

Opção 2- Vamos ao supermercado, compramos as laranjas, levamos para casa, selecionamos as melhores, cortamos cada uma ao meio com faca afiada, esprememos com uma técnica, coamos,  desprezamos o bagaço e  tomamos o suco num copo. Acadêmico clínico!

Opção 3- Vamos ao supermercado, compramos concentrado de laranja, levamos para casa, descongelamos, acrescentamos água e tomamos o suco num copo. Razoavelmente tecnológico e prático!

Opção 4-  Vamos ao supermercado, compramos suco de laranja em caixinha e, em qualquer local, tomamos com canudinho, que aliás já vem junto. Tecnológico (oculta a ciência) e prático!

Opção 5-  Vamos à lanchonete da esquina, fazemos o pedido e, acomodados, tomamos o suco de laranja espremido na hora. Prático total!

Nas opções 1 e 2, conhecemos os procedimentos desde a laranjeira e desenvolvemos habilidades.  Nas opções 3, 4 e 5 podemos  tomar  suco de laranja sem nunca ter visto ou segurado uma laranja e há duvidas quanto ao valor nutritivo. “Terceirizamos” e ficamos dependentes e -sem controle direto- dos processos.

O farol ético da beira do leito é salvaguarda ao exercício profissional especialmente pelo que a cor laranja representa: a presença do amarelo e do vermelho!

 

COMPARTILHE JÁ

Compartilhar no Facebook
Compartilhar no Twitter
Compartilhar no LinkedIn
Compartilhar no Telegram
Compartilhar no WhatsApp
Compartilhar no E-mail

COMENTÁRIOS

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

POSTS SIMILARES

fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts
set0 Posts
out0 Posts
nov0 Posts
dez0 Posts
jan0 Posts
fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts

fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts
set0 Posts
out0 Posts
nov0 Posts
dez0 Posts
jan0 Posts
fev0 Posts
mar0 Posts
abr0 Posts
maio0 Posts
jun0 Posts
jul0 Posts
ago0 Posts