Necessidade social, tradição na cultura do lidar com as coisas da saúde e da doença e estrutura organizacional afinada com a atualidade científica são fundamentos do progresso da Medicina. É tríade que possibilita a formulação de questões desde o cotidiano da beira do leito e estimula a coragem de criar inovações e aperfeiçoar o já existente.
Na modernidade da pesquisa clínica não faltam líderes e times de auxiliares que combinam competência intelectual e percepção de lacunas do conhecimento e das habilidades. Diferenças qualitativas e quantitativas de infra-estrutura – material, financeira, humana- costumam determinar o nível de sucesso dos chamados Laboratórios.
Realidades da pesquisa científica admitem a mistura de criatividade e metodologia na busca pela saída do labirinto, na decifração de um enigma ou na confirmadora reprodução de uma conclusão de outrem. O solvente é a consciência moral que evita que a verdade externa dos resultados reflita de modo cientificamente inadequado o desejo interno do pesquisador.
Neste contexto de negação a seduções por fraudes, vale citar o médico, filósofo e rabino Maimonides (1135-1204): “… Que nem a cobiça, nem a sede de fama e nem o desejo de reputação dominem as minhas intenções… Retificar meus conceitos, estender o meu conhecimento, hoje descobrir os enganos de ontem...”.
Há pedágios obrigatórios no percurso do salto do desconhecido para o conhecido sob impulso investigativo. Cada movimento requer autenticidade do binômio pesquisador-autor. Pois, pesquisar é criar e o ato criativo está ligado a um desejo de ser imortal pela obra. É simbolismo que remonta ao mitológico e imortal Quíron, sábio na arte de curar e que criou Asclépio, o deus da Medicina. O projeto duplo cego que ao fim se revela para o mundo mais do que uma figura do pensamento ilustra a essência do comprometimento com a ciência e com o social de um grupo de profissionais sensíveis à condição humana, tão flexíveis a ideias e a interpretações quanto rígidos com métodos e conscientes que não há contradição em acreditar e ter dúvidas sobre a hipótese, firmemente empunhando uma bandeira com a inscrição: tese, antítese e síntese.
Cada pedágio admite movimentos animados por uma série de energéticos pessoais e profissionais. Exemplos comuns são a carreira de pesquisador, a obtenção do título de Doutor em Ciências da Saúde, visão de contribuição relevante para o preenchimento de lacunas do conhecimento, defesa dos interesses do voluntário de pesquisa.
A fluidez da pesquisa clínica articulada com a boa-fé, a cada pedágio, representa sinceridade, moralmente necessária nas relações com o próximo ou consigo mesmo. A veracidade dá valor à verbalização dos detalhamentos dos pensamentos, assim promovendo a excelência na concepção e na realização da pesquisa clínica de acordo com as boas práticas vigentes.
Imperfeições da condição humana carregam, todavia, o potencial de provocar certas expressões negativas da condição humana no processo de pesquisa clínica. A censura, como exame crítico viciado e tendente à objeção, é uma delas que cabe nas figuras de um líder, de um liderado ou de alguém que detém um tipo de autoridade.
Não é incomum o orientando pensar, pelo menos num primeiro momento, que apreciações de inadequação da concepção do projeto efetuadas pelo orientador seriam decorrentes de uma censura a sua pessoa. Sentimentos de incompetência eclodem, um rastilho para o desânimo e para a desistência. Sensibilidade, diálogo, tolerância e tempo para dispor por parte do orientador costumam reconduzir o orientando nos trilhos da autoconfiança, em meio a risques-rabisques fundamentados no melhor espírito acadêmico.
Por mais que se entenda que o orientando deva ter iniciativa nas várias fases da projeto, buscar ativamente fundamentos e realizações, cada pesquisa representa um conjunto de lições em que o orientador funciona como um mestre vigilante – senão porque existiria?- que domina as fronteiras entre possíveis flexibilidades à liberdade do orientando e rígidas normatizações para a investigação ética, condição sine qua non para que os resultados obtidos permitam corretas interpretações como evidências científicas. Na pedagogia da pesquisa clínica, é clássico que as lições do orientador de hoje embutem a memória dos tempos em que era um orientando.
Em relação ao orientador e autoridades com influência em pedágios técnicos e éticos na rota da pesquisa, qualquer possibilidade de censura que abafa e obscurece deve ser afastada. Disposições ao ato criativo não devem ser alvo de coerções que acentuam as vulnerabilidades. Questões pessoais e ligadas ao sistema podem descambar para o lado ou do autoritário ou do desprezo e personificar verdadeiros censores. Inadmissíveis caprichos no seio de um Serviço acadêmico, exageros numa Comissão de Ética em Pesquisa e pressupostos de negação por parte do corpo editorial de periódicos de maior impacto equivalem ao simbolismo das tesouras censoras que eliminam por “adivinhações” plenas de má-fé, discriminações e não enquadramentos em privilégios.
A lista não pode ignorar a auto-censura imposta por orientador e/ou orientando e/ou patrocinador motivada pelas inconveniências de divulgação de resultados “frustrantes”, bem como qualquer tipo de censura à informação de interesse do voluntário de pesquisa no transcorrer dos trabalhos.
A Bioética participa do combate vigoroso a qualquer elo de cumplicidade com censuras de qualquer natureza no campo da pesquisa clínica.