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179- A Bioética contribui para a melhoria do atendimento médico

A pergunta foi límpida. A Bioética tem contribuído para melhorar o atendimento ao paciente?

A minha resposta foi SIM! A soma de casos auxiliados dá clareza ao valor da Bioética.

A plataforma principialista permite analisar a contribuição da Bioética sob dois blocos interdependentes: Bloco I- Beneficência e Não maleficência (Segurança); Bloco II- Autonomia.

O bloco I está intimamente ligado à utilidade e à eficácia de métodos, a dupla que sustenta a probabilidade do bom resultado almejado. Está relacionado a condutas validadas porque provocam mudanças vantajosas no prognóstico “natural” das doenças, quer pelo apoio ao diagnóstico, quer pelo apoio terapêutico, quer pelo apoio preventivo. Cada indicação, cada aplicação, cada acompanhamento têm suas qualificações, suas mais adequadas apreciações de potencial de benefício, adversidade,  custo e desperdício.

Aspecto importante deste bloco I é a integração entre a literatura que globaliza experiências e a expertise pessoal. Verifica-se um crescimento gigantesco de publicação de artigos científicos e de novos periódicos na área da Medicina, inclusive no que se refere à Bioética, embora mais modesto. Tornou-se impossível  acompanhar  a literatura como preconizado por nossos professores e a qualidade do que se lê mostra-se comprometida pelo excesso de demanda, inclusive sobre os revisores. A fragmentação do conhecimento é consequência natural dos tempos atuais da Medicina e a Bioética enfatiza o valor da interdisciplinaridade e da formação de times multiprofissionais para integrar as informações obtidas do paciente com aquelas que compõem o chamado estado da arte.

Pode-se dizer que cada médico nunca deixa de estar numa curva de aprendizado para cada ato médico em que se envolve no cotidiano. Estar médico implica em internalizar que há algo a ser aprendido a qualquer instante, ou porque a literatura ensina aperfeiçoamentos ou mostra inovações, ou porque a beira do leito, de fato vivenciada, funciona como uma sala de aula onde os casos acrescem maturações de raciocínios e de habilidades. Autores “liofilizam” a beira do leito em textos didáticos e os leitores-médicos praticam as “soluções”.

Esta curva de aprendizado faz o médico crescer no quantum de capacitação que lhe permite tomar decisões cada vez mais próprias e complexas. O cordão umbilical com a supervisão é progressivamente cortado. Habitualmente, o final da Residência médica marca uma ruptura. Mas, outras são necessárias e distinguidoras do grau de profissionalismo e de respeito pela sociedade e pelos pares.

A sequência da curva de aprendizado pós-Residência Médica vai depender de alguns fatores, incluindo a infra-estrutura de trabalho e o interesse/oportunidade pela atualização científica. Desta maneira, as realidades das contribuições dos Princípios da Beneficência e da Não maleficência (Segurança) ficam de certa forma condicionadas aos ambientes do exercício profissional sob forte influência da instituição de saúde e do sistema de saúde. Razão para a Bioética da Beira do leito expandir  a relação Medicina-médico-paciente/familiar  para Medicina-médico-paciente/familiar-instituição de saúde-sistema de saúde.

No início da curva de aprendizado do ser médico sobre determinado tema, o uso orientador de Diretriz clínica costuma superar o da vivência clínica ainda restrita. Mas, com o tempo, é essencial que haja um equilíbrio  de contribuição, sem o qual os ajustes individuais ao paciente ficam prejudicados. Assim, Diretriz clínica não deve ser consultada e utilizada por quem não tem experiência na circunstância clínica, apenas para fazer uma orientação complementar – muitas vezes por insistência do paciente. Uso inexperiente requer supervisão, especialmente a respeito da Segurança biológica para o paciente.

Em suma, o bloco I inclui a análise de benefício e de segurança que se constitui na recomendação objetivamente ajustada às necessidades de cuidados com saúde daquele paciente sob a óptica da Medicina atualizada e do raciocínio clínico preservado. A Bioética contribui para o rigor desta estratégia e dela se vale para qualquer apreciação de conflitos da beira do leito.

O bloco II diz respeito ao Princípio da Autonomia. É fundamental ter em mente que  o comprometimento do consentimento acentua tremendamente a vulnerabilidade de um atendimento médico. Algum tipo de coerção ou de influência indevida sobre valores do paciente e/ou do médico pode provocar uma indevida aplicação do bloco I, quer porque se indispõe com preferências – do paciente-, quer porque prejudica a isenção técnico-científica- do médico. Mercantilismo, sensacionalismo, auto-promoção são termos classicamente execrados da Ética da beira do leito.

A curva de aprendizado do ser médico ganha solidez à medida que ele, sensível à natureza humana do atendimento, faz ajustes necessários em função das manifestações de consentimento ou não por parte do paciente. As  subsequentes elaborações das adaptações individuais consolidam a missão de humanidade do médico, a noção que se trata de um ser humano cuidando de outro ser humano. Divergências fortalecem a relação médico-paciente, segundo a Bioética, porque induzem ao diálogo, à busca de uma resolução que possa conciliar visões distintas de benefício e de segurança. Evidentemente, nem sempre uma harmonização é possível, não-diagnósticos, não tratamentos e alta a pedido acontecem. Mas, certamente, a emissão e a recepção recíprocas de informações contribui para a aplicação mais adequada à circunstância humana da “dose da Medicina”.

Ponto capital do Princípio da Autonomia é a sinceridade do médico a respeito do que sabe que se passa com o paciente. Somente a veracidade da informação permite que o paciente exerça a plenitude da sua pessoa. Há polêmica sobre a ideia de mentira compassiva em circunstâncias de más notícias. Há pacientes que já se adiantam e manifestam que desejam cumprir recomendações sem nenhuma explicação pelo médico, que não lhes faria bem ouvir certos termos diagnósticos e de prognóstico, preferem um estado de ilusão.

Todavia, a tendência atual, independente de fatores culturais, é que o médico diga a verdade. Obviamente, há modos de se comunicar e ocasiões mais propícias. De qualquer modo, está vigente o artigo 34 do Código de Ética Médica que diz que É vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.  É complicado estabelecer critérios para este salvo, em vista das extremas diversidades do ser humano e da circunstância clínica. Crianças e idosos tendem a ser “preservados” por uma ideia de maior vulnerabilidade e de presença de cuidador, mas é tema que precisa ser analisado sob ópticas mais realistas.      

Embora a figura do representante legal possa ser bem estabelecida, comumente, a comunicação  da má notícia é dirigida a quem se encontra no ambiente, ou a quem faz a solicitação de evitação de eventuais danos na sua óptica. Por isso, misturam-se pessoas ligadas ao paciente de modo natural-como um filho-, por meio de um registro civil- como o cônjuge-, por afinidade- como um primo e por afetividade- como um amigo. Em decorrência, a informação pode correr o risco de caracterizar uma quebra de sigilo.

Um dos aspectos da Autonomia de interesse da Bioética é que o sigilo é individual, mas, habitualmente, as informações são de conhecimento familiar. Precisa ficar bem claro que o compartilhamento deu-se sem nenhuma quebra de confiança da relação médico-paciente. E que, tomadas de decisão aconteçam com o olhar da prudência em conformidade com as preferências e os valores do paciente, tanto melhor se houver consonância familiar.

Bioética, não chegue à beira do leito sem ela!

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