PUBLICAÇÕES DESDE 2014

167- Hipócrates incorporado ao espírito do Congresso médico

rcts-per-year
Número de Pesquisas clínicas randomizadas

Há vários pedágios no caminho do bumerangue que é atirado da beira do leito com uma questão para preencher uma lacuna do conhecimento e retorna para a mão que prescreve a inovação-resposta. A validação para o efetivo uso depende de relações benefício-malefício e custo-efetividade.

A randomização dos voluntários de pesquisa favorece a passagem pelo pedágio da confiabilidade na informação e tem sido utilizada de maneira crescente nos últimos 50 anos. Os 39 estudos randomizados por ano em 1964 tornaram-se cerca de 12000 por ano, 30 anos depois e  este número duplicou em 10 anos (Gráfico). Estima-se que até o final da atual década, a cifra chegará a 50000 por ano. http://blogs.trusttheevidence.net/carl-heneghan/how-many-randomized-trials-are-published-each-year

Outro pedágio essencial refere-se à difusão do conhecimento e à habilidade na aplicação. A recente facilidade da conexão médico-computador promove a releitura da conclusão do autor e a assimilação ao seu modo pelo leitor-internauta. Já editoriais, pontos de vista e revisões ampliam os horizontes hermenêuticos. Mas nem sempre, eles são suficientes para tomadas de decisão.

Para o trânsito por este pedágio, a “pessoa jurídica” das Diretrizes clínicas trouxe uma solução útil para o médico “pessoa física” haver-se com o excesso de informações. Passou-se a lidar, então, com recomendações liofilizadas que necessitam da hidratação final. O universo do saber teórico concentrou-se para o médico, sem dúvida, mas não resolveram as dificuldades práticas experiência-dependente.

No dia-a-dia, muitas lacunas comprometem o livre fluir. Analogia e imaginação não costumam ser confiáveis para as ocupar. Experiência é necessária, sempre foi e sempre será. Contudo, a expansão dos métodos tem limitado a abertura do leque da experiência de fato vivenciada e asseguradora do rigor ético.

Resultou, em decorrência, uma ampliação do já nascido enorme significado moral do coleguismo hipocrático (…ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito…) e que pode ganhar um tom brasileiro em Cora Coralina (1889-1985): “… Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende  o que ensina…”.

Durante o recente Congresso Brasileiro de Cardiologia, em Curitiba, eu pude reforçar a importância-época da dinâmica interpessoal por perguntas e respostas acerca das muitas dúvidas, especialmente sobre recentes recomendações diagnósticas e terapêuticas. Observei os jovens médicos com ansiosas expectativas de resolver deficiências e reforçar suficiências. Nada inédito, mas uma reconfortante e  vívida amostragem que o idealismo persiste apesar de tudo.

Congressos nunca perderão o poder da contribuição para a educação continuada, por mais que sejam alvo de críticas sustentadas pela modernidade da comunicação. A força de Hipócrates está no presencial, sobreviveu 25 séculos, está cada vez mais imortal.

Congressos têm a prerrogativa de promover uma visão integrada e discutida entre vantagens e limitações. Profissionais mais experientes ajudam os menos experientes por meio das respostas e são ajudados por estes em função da motivação da questão, muitas vezes “inédita”. Por mais que uma especialidade fique intra-muros, as infinitas combinações de circunstâncias clínicas que acontecem na imensidão do território brasileiro exigem que referências técnico-científicas – pessoas e Serviços- disponham-se ao diálogo construtivo de uma identidade clínica.

Um ponto a refletir é como usar o tempo com eficiência durante tres dias de Congresso. A relação custo-aprendizado beneficia-se quando há menos exposições do saber que se pode adquirir facilmente em sistemas de difusão do conhecimento e há mais interpessoalidade sobre o mundo real da beira do leito. Em outras palavras, a utilização da literatura tem que ser preferencialmente um meio e não um fim das seções. Promove-se, assim, a afirmação do médico como estrategista de uma conduta ante individualidades e não como mero executor de pre-determinações coletivas. Reafirma-se que diretrizes são bússolas e não algemas para levar o médico- e o paciente- para onde deseja e não para se sentir aprisionado.

Entendo que o uso de uma forma com fundamentação na Bioética facilita a troca de juízos críticos em Congressos. Ela facilita observar as diversidades de impacto da Tecnociência em cada ser humano.  É o grande desafio: ajustar o “certo” para que “dê certo” guiando o manejo  pela experiência. Quem a vivenciou com qualidade e intensidade que aconselhe os novatos.

A beira do leito ganha muito com a experiência do outro. Isto porque ela costuma dar a prova antes de dar a lição. Ante a dúvida na resposta, há a oportunidade de  aprender o gabarito com o mais experiente num Congresso.

A forma deve ter a capacidade de moldar um bloco de saber beneficente, não maleficente, prudente, zeloso  e humano. E impedir a solidificação irreversível, pois o ainda pastoso  é necessário para os ajustes às individualidades.

Já foi dito que experiência é o que faz alguém reconhecer imediatamente que repetiu o erro. O Congresso endossa este pensamento, com a variante que agora são duas pessoas, uma que tem a experiência e outra que não deseja repeti-lo.

A forma tem que ser estruturada visando  evitar as derrapagens na curva do aprendizado.  Receber a dica do pulo do gato para quando a porca torcer o rabo é fortalecer o olhar de lince que todo clínico deve valorizar. É animal!

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