Negligência é dramático. Do médico, injustificável. Não fazer o que teria que ter feito segundo a óptica das boas práticas da Medicina é infração ao Código de Ética Médica (Art. 1º. É vedado ao médico causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Art. 32. É vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente). Aliás, campeã de penas, a negligência fez com que o artigo 29 do Código de Ética Médica de 1988 ascendesse para primeiro como acima mencionado. É triste conhecer casos. Mas, nem sempre não ter feito é negligência. Há exclusões éticas. Em que, pelo contrário, a interpretação de zelo prospera.
Essencialmente, quando o não tiver sido feito resultar de não poder ter sido feito. Exemplo antigo é a falta da infraestrutura para determinado procedimento. Deveria ser e não pode ser ficam em campos opostos na condução do caso. Estabelece-se contraposição entre interfaces médico-paciente (conduta) e médico-Medicina (conhecimento) e interfaces médico-instituição (indisponibilidade operacional) e/ ou médico-sistema de saúde.
A intenção de fazer versus inação ao intencionado por causa não pessoal. Circunstância em que o não feito e que deveria ter sido feito não guardou relação de causalidade com desleixo do médico. O impedimento a ser zeloso é desrespeito aos Direitos dos Médicos, como expressos no Código de Ética Médica (III – Apontar falhas em normas, contratos e práticas internas das instituições em que trabalhe quando as julgar indignas do exercício da profissão ou prejudiciais a si mesmo, ao paciente ou a terceiros, devendo dirigir-se, nesses casos, aos órgãos competentes e, obrigatoriamente, à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição. IV – Recusar-se a exercer sua profissão em instituição pública ou privada onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar a própria saúde ou a do paciente, bem como a dos demais profissionais. Nesse caso, comunicará imediatamente sua decisão à comissão de ética e ao Conselho Regional de Medicina. V – Suspender suas atividades, individualmente ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições adequadas para o exercício profissional ou não o remunerar digna e justamente, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Medicina).
Mais recentemente, a sociedade brasileira teve valorizada a participação ativa do paciente no processo decisório sobre a própria saúde. Autonomia tornou-se palavra de ordem da beira do leito. Grande conquista da cidadania! Este princípio nobre da Bioética sustenta duas isenções da visão de negligência: a) não aconteceu por não consentimento do paciente; b) não aconteceu por consentimento a não recomendado pelo médico.
Na primeira situação, um paciente capaz não em iminente risco de morte decide não se submeter à aplicação de um método diagnóstico e/ou terapêutico. Ele rejeita porque não concorda com a oportunidade ou porque não deseja correr riscos. O não consentimento livre e esclarecido é um direito do cidadão-paciente, não importa a oposição ao útil e eficaz da Medicina que desaponta o médico. Isenção ao rótulo de negligência, haja vista que o médico estava disposto a fazer. “Mãos atadas do médico” pelo paciente é figura que reforça que o tem sua quota de responsabilidade no decorrer do atendimento a suas necessidades.
Na segunda situação, o médico informa ao paciente/familiar que não seria recomendável a aplicação de certos métodos que, embora conceitualmente beneficentes, não reverterão uma inexorável e curta evolução para a morte determinada pelo avançado estágio da doença primária. Ele esclarece que controlar certas intercorrências clínicas provocará infrutíferos gastos emocionais e materiais. Propõe, em decorrência, a desistência do tratamento completo visando à reversibilidade de todos os diagnósticos presentes e a opção por cuidados em prol do bem-estar.
Ipsu facto, o consentimento ao não recomendado pelo médico isenta a conjectura de negligência. Pois, caso contrário, o médico fica na obrigação de se comportar de modo alopático sem seleção de métodos a serem ou não aplicáveis.
Em suma, combinações uníssonas de não consentimento, consentimento ao não, deveria e não pode subsidiam eximir o médico da interpretação de negligência. A Bioética dá valor!