O Código de Ética Médica vigente estabelece um decálogo de Direitos do médico.
Destaco o artigo VI- É direito do médico internar e assistir seus pacientes em hospitais privados e públicos com caráter filantrópico ou não, ainda que não faça parte do seu corpo clínico, respeitadas as normas técnicas aprovadas pelo Conselho Regional de Medicina da pertinente jurisdição.
Confesso que não testemunhei nenhum caso de um paciente internado em nome e assistido por colega fora do universo de funcionário do Hospital das Clínicas/Faculdade de Medicina da USP, ao longo de 45 anos. Pesquisarei melhor e voltarei a este tópico específico.
O que desejo compartilhar com o bioamigo é a experiência recente que tive em 2 hospitais. Em ambos, o paciente estava internado em nome de outro colega – que me autorizou por telefone a participar do atendimento-, de modo que o comentário refere-se ao ritual de passar peal catraca de entrada. Porque depois, é a nossa consciência profissional que consente com o percurso, obviamente, sacramentada pela aposição do carimbo…
Hospital A- Dirigi-me à Recepção, identifiquei-me com a Carteira de médico e fui assim registrado. Não me perguntaram de qual paciente iria cuidar. Recebi um crachá de médico visitante com o qual pude transpor a catraca. Nos demais 5 dias, chegava na recepção, informava o número do CRM e rapidamente recebia o crachá respeitador do direito VI do médico.
Hospital B- Dia 1: Cheguei pela Portaria ligada ao estacionamento. Dirigi-me à recepção e mostrei a Carteira de médico. O recepcionista chamou por telefone alguém da administração que me indagou se eu iria manipular prontuário. Ante a resposta positiva, solicitou-me preencher um formulário com dados pessoais e profissionais, providenciou um xerox da Carteira de médico e, enfim, autorizou-me a receber o crachá “abre-te sésamo” da catraca e da presença no posto de enfermagem, quarto do paciente, etc…
Até aqui, verifica-se o cuidado desejável de ambas as Diretorias Clínicas, com diferenças aceitáveis. Por enquanto… Evidentemente, os abusos determinam salvaguardas ao uso. Todos nós sabemos que o exercício ilegal da Medicina ronda hospitais.
O que representou excessivo e até de certa forma constrangedor foi o que aconteceu nos dias 2 a 4 do Hospital B. No dia 2, eu cheguei por outra recepção, informei o número de CRM e adiantei que já fora “qualificado” no dia anterior. A resposta foi incisiva: “… O senhor precisa se dirigir ao Receptivo médico, uma sala a 30 metros dali …”. Fui. Fiquei sabendo que aquele formulário de ontem dá validade por 24 horas. Respondi que este período ainda não se completara no relógio. “Consertou-se” para cada dia. Eu preenchi, então, o mesmo formulário novamente, após o que o atendente teclou bastante e disse que precisava também do nome do paciente. Uma vez terminado o registro, que eu voltasse à recepção para pegar o crachá. Fiz os 30 metros de volta e me apresentei novamente, após uma fila de 2 pessoas, apenas… O recepcionista disse-me que não recebera ainda a informação e, gentilmente, ligou para o Receptivo médico. Confirmado que eu falava a verdade, obtive o crachá. A passagem pela catraca aconteceu com um sentimento de competidor triunfante.
Pareceu-me mais rápido e eficiente cumprir do que discutir pontos de vista com quem obedecia ordens, ou mesmo entrar em contato com o Diretor Clínico, como fiz certa vez em que a Portaria do hospital insistia em não permitir a entrada sem o necessário credenciamento, dando vida ao sistema: “… O computador não me permite…”. “Já experiente”, nos dias 3 e 4, após repetir ipsis literis os caminhos dos dias anteriores – apresentar a Carteira de médico, preencher à mão o mesmo formulário, informar o nome do paciente-, eu acresci uma colaborativa prevenção ao retrabalho dos funcionários, solicitei no Receptivo médico que já informasse a nobre autorização à Recepção.
Como habitual, a promulgação de uma lei requer a sua regulamentação para ajustes necessários a sua prática. Numa distância de poucos Km, contudo, o cumprimento de um direito do médico percebi que ele é realizado com peculiaridades locais. Enquanto pequenas, poderiam até estar dentro de uma lógica admissível. Mas a questão é: O que é que um Hospital vai fazer com 4 papéis iguais referentes ao ingresso sequente de mesmo médico para mesmo paciente? Qual é o racional de um rito com validade diária? Não seriam suficientes o registro inicial e os complementos diários de tão-somente comparecimento, como faz o Hospital A?
Pela Ética, eu omiti nomes de hospital. Bioamigos talvez passem por situações incompreensíveis análogas. Da minha parte, enviei um e.mail “colaborativo” para a Diretoria do Hospital B. É uma sugestão para a mais adequada conciliação entre o Direito do Médico e a utilidade da catraca hospitalar.