As questões despertadas pela Bioética da Beira do leito são: a) disponível: pronto para ser usado e não impedido são dois sentidos constantes em dicionários, o que permite pensar que se refira tanto a recursos porventura existentes ou não no local do atendimento, quanto ao aval ou não pelo paciente capaz à aplicação, assim podendo a recusa posicionar o método no âmbito redacional da indisponibilidade; b) a seu alcance teria mesma visão; c) a favor do paciente também; d) no caso de ser aplicada a transfusão de sangue contra a vontade do paciente, a negação pelo médico de atender ao valor do paciente atendendo a sua consciência profissional pode ser anotado como um dano à saúde mental do paciente Testemunha de Jeová. Considerando uma redação direta, o médico não teria autonomia para seguir sua consciência profissional de não arriscar a morte do paciente se o efeito da aplicação do método em questão for um dano à saúde mental do paciente.
Entendo que o espírito legislador do iminente risco de morte/emergência tenha sido uma salvaguarda ao descaso, a uma atitude de indiferença profissional frente a uma situação gravíssima e com irreversível perda de oportunidade de beneficência, subentendido que não haveria nenhum posicionamento de objeção à conduta que se faz imperiosa. O paciente numa emergência não pode ficar desamparado por uma particularidade de comportamento pessoal do médico. Abandonar um plantão e não aguardar o substituto atrasado num Pronto Socorro são exemplos que se encaixam nesta linha de raciocínio.
Fica claro que no caso de paciente Testemunha de Jeová há uma ressalva importante. O médico está ali ao lado do paciente desejoso de cumprir o estado da arte e profissionalmente apto a aplicar a conduta indicada. Se não faz em sua integralidade é porque incide uma restrição por parte do paciente, uma circunstância que caso seja ignorada torna-se forte desrespeito a um valor do paciente altamente impactante no cotidiano de sua vida. A inobservância pelo médico do Não consinto, doutor traria sérias consequências morais irreversíveis à sobrevida, não importa que transfusão de sangue seja método habitualmente rotulado como beneficente. O bom para quem? A favor de quem? Contam muito.
Assim, entendo que a salvaguarda da negligência num situação extrema, infração ética gravíssima, como a intenção do salvo iminente risco de morte/emergência na composição do Código de Ética Médica não cabe ser imputada ao médico diante de um não consentimento pelo paciente, pelo contrário, eventual aplicação poderia ser enquadrada na imprudência – escolha indevida.
Bioamigo, há a frieza do texto ético (para o coletivo) e há o calor humano (individual) envolvido. Desde a faculdade de medicina, estas “condições térmicas” duelam em meio à integração entre a bagagem pré-profissional e os deveres de médico influenciadas pela infinidade de circunstâncias da tecnociência e do humanismo.
O médico que adquire experiência no diálogo empático com pacientes Testemunha de Jeová sente a oscilação “térmica” ao mesclar seu desejo de beneficência com o que passa a conhecer de como o paciente imagina-se numa submissão à transfusão de sangue em nome da beneficência tecnocientífica, vale dizer, uma sobrevida tormentosa, culpada e desesperançosa por ter sido introduzido em seu corpo “definitivamente” um conteúdo indesejado.