O ecossistema da beira do leito convive com expressões de heteronomia e de autonomia. Numa consideração simplificada, a heteronomia da medicina baseada em evidência aplicável pelo médico de maneira esclarecida ao paciente deve ser por este consentida de maneira livre.
Heteronomia (do grego heteros, “diversos” + nomos, “regras”) é conceito criado por Immanuel Kant ( 1724-1804) para denominar a sujeição do indivíduo à vontade de terceiros ou de uma coletividade. Já pelo conceito de autonomia o ser humano possui arbítrio e pode expressar sua vontade sem coerção.
Como a beneficência no ecossistema da beira do leito é alinhada à heteronomia e o paciente é um leigo em medicina que toma conhecimento da necessidade de submissão a método diagnóstico, terapêutico ou preventivo pela indicação do médico, uma orientação externa, idealmente esclarecida, que necessita incorporar, analisar prós e contras e responder se dá ou não consentimento. Portanto, o exercício da autonomia pelo paciente acontece a partir de aquisições heteronômicas.
Livremente é termo sujeito a reflexões no ecossistema da beira do leito. Dor, sofrimento, relevância prognóstica da oportunidade de reverter a doença impedem, por exemplo, que medo e perspectivas de adversidades tornem-se expressão de comportamento de fato livre pelo paciente, sem falar em pressões exercidas, mais ou menos explícitas, por familiares/circunstantes, a chamada autonomia de relação. Desejar curar-se predomina, reforçando que uma projeção heteronômica é que sustenta o exercício da autonomia, independente do caráter do paciente.
No caso de paciente adepto da crença Testemunha de Jeová, por exemplo, a dualidade heteronomia/autonomia manifesta-se na convicção sobre uma religião criada sem sua participação e, também, habitual participação dos anciãos para dar força na fé. Desrespeitar a religiosidade conforme introjetada traz sentimento de culpa ao paciente.
De modo inverso, a influência da religião expressa pelo paciente num não consentimento representa impacto heteronômico sobre a autonomia do médico inclusa no profissionalismo. Sua mente instruída não comunga com a decisão de negação pelo paciente, mas, ele não pode, radicalmente, comportar-se como ignorando o não consentimento do paciente capaz.
Embora esteja dominando de modo correto a utilidade e a eficácia de diagnóstico, planejamento terapêutico e apreciações sobre o prognóstico, o médico se vê partícipe de cenários com níveis distintos e simultâneos de realidade.