Admissões e altas hospitalares carregam fortes sentimentos. São movimentações que trazem à lembrança o início do romance Anna Karenina de Liev Tolstoi (1828-1910): Todas as famílias felizes são iguais; cada família infeliz é infeliz à sua maneira. Ajustável a atendimentos hospitalares significa que qualquer deficiência de um componente do conjunto de atributos que levam à satisfação sobre a atenção às necessidades de saúde pode fazer a diferença. Por isso, o potencial do medo de acontecer e da culpa – e vergonha – em caso positivo.
No contexto do custo-efetividade de atuações hospitalares qual a importância da presença da Bioética? A Bioética da Beira do leito entende que a resposta é altamente favorável, baixos custos, altas vantagens.
É fato que o medo de punição pode evitar iniciativas nada recomendáveis, antiéticas, mas, por sua vez, o medo de vir a errar e vivenciar o mal-estar da culpa pode sustar o livre trânsito da autenticidade e do bom juízo. Controlar medos e ao mesmo tempo não nutrir culpa por eventuais decorrências negativas é necessidade recorrente na beira do leito de tantos riscos, incertezas e imprevistos. A medicina ilustra que há riscos que é necessário correr, o que faz da virtude da prudência que seleciona um sustentáculo da ética.
Todavia, poucos hospitais brasileiros contam com um Comitê de Bioética e quando eles existem as demandas por atuação são relativamente pequenas. Falta de especialistas preparados na área? Não! A carência resulta, essencialmente, de interpretações enviesadas sobre responsabilidade da autoridade no âmbito da tríade Eu quero/Eu devo/Eu posso, de receios de orientações discordantes/frustrantes, de desvalorização/desmotivação acerca do oculto dos icebergs nas rotas das tomadas de decisão, que é o que de fato sustenta colisões. No “submerso” incrustam-se fontes alimentadoras de medos e culpas, inconscientes, silenciosas, mas nada inertes perante o dia-a-dia das realidades profissionais. A Bioética coopera para mergulhos de reconhecimento.
A Bioética da Beira do leito entende que se por um lado a Bioética coopera para que a gama de profissionais da saúde possa lidar mais adequadamente com inquietações sobre medos e culpas no cotidiano das atividades, por outro lado, a presença de um Comité de Bioética tem o potencial de exercer contraposições a interesses/iniciativas de profissionais de distintas categorias em momentos de autoridade, linhas de frente e cúpula, possibilidade que gera medo de que as análises imparciais venham a conter traços de censura e perspectivas de acusação de culpa pelo que fará/fez e pelo que não fará/não fez. Envolver a Bioética nos processos de tomada de decisão na beira do leito não é perda de tempo quantitativo, na verdade, o não envolvimento é que pode vir a ser perda de oportunidade revisora qualitativa.
Por outras palavras, os “fantasmas” do medo de análises transdisciplinares “incômodas” e da culpa por algo que deveria ter sido considerado podem fazer a Bioética soar hostil ao invés de amigável conselheira – como pretende – sobre abrangência e profundidade a respeito de medos – como ser alvo de um processo de negligência – e manejo aliviador de angústias ligadas à culpa. Desmistificar é preciso.