A Bioética não é uma religião mas tem adeptos fervorosos. Eles reconhecem força e potência na Bioética para interpelar consciências, movimentar raízes éticas e morais, estimular cautela e equilibrar tensões entre liberdades teóricas e não liberdades práticas. A Bioética concentra valores que facilitam resumir o que dá para ser o possível mais próximo do ideal filtrado pela contínua evolução da tecnociência e da sociedade.
A Bioética valoriza evidências, fatos documentados, dados corretamente captados, críticas justificadas, bem como preocupa-se com o desserviço do obscurantismo sempre à espreita, anti-instrução que prejudica a condução dos atendimentos pelo rigor com a ética, a moral e o legal, aspecto pétreo da conexão médico-paciente-medicina. A Bioética, ademais, dispõe-se a estar – qual escoteiro – sempre alerta e disposta à boa ação, especialmente, face a recorrências da pós verdade que hierarquizam emoções e crenças pessoais.
A Bioética tem duas certidões de nascimento, na de 1927, o teólogo Paul Max Fritz Jahr (1895-1953) manifestou o imperativo ético da aceitação das obrigações morais dos seres humanos a todos os seres vivos e na de 1971, o biólogo Van Rensselaer Potter (1911-2001) enfatizou a necessidade premente de aplicar o conhecimento sobre biologia básica, ciências sociais e humanidades como ponte para a sobrevivência humana e melhoria da qualidade de vida. Fica evidente, portanto, que a Bioética está de modo congênito duplamente agregada ao medo e à culpa de acontecimentos negativos ao Homo sapiens.
Credita-se ao ser humano a exclusividade de sentir culpa, que parece estar ligada ao mesmo tempo à constatação da imperfeição e a sua reprovação. A preocupação com o par medo – culpa chega oficialmente com a obtenção do número do CRM que representa a autorização da sociedade para dela (bem)cuidar, num momento em que está cumprida a etapa da graduação em medicina, mas, habitualmente, longe de representar um nível razoável de segurança profissional para desempenhar as funções a contento.
O jovem médico(a) sabe que a simples aquisição do número do CRM é etica, moral e legalmente insuficiente, o importante é honrá-lo pelo uso respeitoso. Assim, um sentimento de medo/culpa em grau muito pessoal oscila entre latente e ativo, entrelaça-se entre inconsciente e consciente, motivado por um superego sempre atento, crítico, censor, ciente das limitações, vigilante das opiniões dos outros. Algum bioamigo discorda estar isento desta descrição?
O par medo – culpa compõe o conjunto de razões para o exercício da pós-graduação da Residência médica como um contínuo de aprendizado sob supervisão que, idealmente, deve incluir a participação crítica da Bioética. Ela coopera para reduzir os improvisos, melhor perceber que competência não tem preço, tem valor. A supervisão clássica é, obviamente, mais experiente, mas, humana que é, não está isenta do par medo e culpa e as defesas construídas servem de exemplo – bons e maus- para os mais jovens.