Neste contexto, a Bioética da Beira do leito chama a atenção para três aspectos referentes à interpretação do artigo, entendendo que o entendimento da sua estrutura facilita a aplicação:
1- Iminente risco de morte: Há necessidade de ser adjetivado com evitável, com potencial de plena recuperação da vida, a fim de distinguir de situações de terminalidade da vida, bem como evitar que prosseguimentos cientificamente admissíveis apesar do não consentimento sejam interpretados como obstinação terapêutica.
2- Direito do paciente de livre participação na tomada de decisão: A Bioética da Beira do leito enfatiza que é útil para lidar com o mundo real do ecossistema da beira do leito considerar a autonomia do paciente capaz mais pelos atributos presentes caso a caso e menos pela fria definição dada pelo dicionário, vale dizer reduzir uma expressão de “burocracia” e acentuar ade dialógica. Neste contexto, contam muito os atributos da individualidade – ver o paciente como uma pessoa (não como o leito 10) com caráter, personalidade e temperamento, além de possuidor de variantes de pensamento e de comportamento articuladas a entornos da situação clínica; da capacidade de atuar frente a desafios, ter iniciativa, assumir responsabilidades nas decisões, compreender a moralidade de atos mais objetivos ou mais subjetivos; da disposição para dar forma à autonomia que, como se sabe, varia constantemente por um processo gradual de reconstrução influenciado por “variações do “ver-se e ser visto independente e livre” em função dos impactos da doença.
2a -Refere-se à resposta do paciente capaz à recomendação pelo médico, ou seja, não cabe interpretação de obrigação de respeito pelo médico a proposições de iniciativa pelo paciente de práticas descabidas do ponto de vista tecnocientífico, ou seja, isenta de indicação validada.
2b – O direito do paciente capaz a exercer a autonomia não significa obrigatoriedade do uso, mas o direito à oportunidade por um princípio que vindo do seu exterior, de natureza universal e não adstrito a um grupo especial de paciente e endossado pela liberdade somente torna-se manifesto no ato realizador. A expressão comum de doutor o que o senhor fizer está perfeito para mim ilustra que, na prática, o direito alinha-se ao nível de motivação autonômica e que pode ser nulo. A confiança no médico e na medicina conta muito.
2c- O significado de direito do paciente de decidir se por um lado não inclui que as preferências manifestas devam ser ideais, por outro lado articula-se à liberdade para rever as opções, inclusive revogar consentimento dado ou voltar atrás no não consentimento no decorrer dos acontecimentos. Um processo dinâmico e como se diz a dor é inevitável, o sofrimento opcional.
2d – A Bioética da Beira do leito recomenda que o diálogo médico⇔paciente em torno da manifestação do consentimento ou não pelo paciente deve permear desde o início as etapas do processo de tomada de decisão, pois assim facilita o entendimento bilateral numa situação progressiva “bem amarada” e ajuda no desenvolvimento da mútua confiança. A possibilidade de ajustes pela figura de “médico e paciente andando de mãos dadas” como sequentes progressos do processo de tomada de decisão embute o respeito à intenção, não somente do paciente de se submeter dependendo do que for recomendado, como também do médico de realizar a mais adequada beneficência.
Em outras palavras, ajustes possíveis de opções permitem que o desejo fundamental do paciente de se beneficiar da medicina seja preservado como vontade (desejo+movimento) do paciente capaz pela aplicação do método/conduta, então passível de ser acordado. Na impossibilidade de conciliar ajustes, o desejo fundamental do paciente de como ser tratado esbarra na negação de se direcionar para a conduta. Por isso, casos de não consentimento do paciente devem ser apreciados como representação de não superposição da vontade (imobilidade) ao desejo primário.
Vieses de impacto ocorrem pela tendência de superestimar impactos de eventos futuros. A superestimação dos riscos e de otimismo como a desvalorização dos riscos de malefícios afeta as movimentações entre desejo e vontade. Popularmente, enxergar o copo ou como meio cheio ou como meio vazio. Atualmente, a disponibilidade de informação médica na internet gera a possibilidade de a palavra do médico provocar mudança da opinião com que o paciente capaz se apresentou, ou seja, uma transformação do desejo e, evidentemente, pela variação da intenção, na movimentação para a vontade a respeito de escolhas. O diálogo que esclarece é fator importante dos deslocamentos.