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1560- Maleficência por omissão e autonomia (Parte 3)

Neste século XXI, acentuou-se o número de divergências entre médico e paciente atribuíveis às informações por via eletrônica. Percentual expressivo decorre da insuficiência/má qualidade dos esclarecimentos advindos e que carecem dos diálogos elucidativos. É perturbador como este tipo de divergência associa-se a uma redução na confiança no médico que consulta presencialmente em relação ao “consultor” eletrônico.

Além da possibilidade da pesquisa na internet não se aplicar ao caso, o “consultor” pode ser selecionado em função da informação que é mais palatável, da busca por “segundas opiniões” reconfortantes, enquanto que o médico presencial foca perfeitamente no que está a sua frente e diz o que cabe à medicina dizer na circunstância. A “consulta” eletrônica “garimpada” não desgosta, não julga e alivia.

A autonomia de relação, importante adendo na conexão médico-paciente, que se fundamenta na comunicação interpessoal assim se prejudica com o “exercício profissional” do que foi cognominado de Dr. Google, o poliespecialista sem número definido de CRM, que “diagnostica e prescreve” sem examinar o acaso clínico e muitas vezes subentende conflitos de interesse.

Se tomarmos o Relatório Belmont como ponto de referência, o direito do paciente ao princípio da autonomia tem 46 anos, sendo que há 40 anos compõe o Código de Ética Médica brasileiro, lembrando que se tornou parte de uma lei  (Lei Covas) há 25 anos. Seu lema numa conexão medicina-médico-paciente é Sim é Sim, Não é Não.
Já o sentido do princípio da Não maleficência (originário como o hipocrático non nocere) tem 26 séculos. Por outro lado, a pujança  do sentido da beneficência enquadra-se cerca dos últimos 100 anos. Esta dissociação temporal  tem repercussão nos movimentos atuais de atendimento na beira do leito como expressões de tecnociência e de humanismo. A aplicação da beneficência entremeia-se entre o velho filtro da não maleficência e o recente filtro da autonomia.
Um alerta que a Bioética da Beira do leito costuma direcionar para o jovem médico é que não basta a potencialidade beneficente da evidência científica que fundamenta a inclusão IA numa diretriz clínica. O caráter humano da medicina exige respeitar a repercussão antecipatória sentida pelo paciente. O ilustrativo efeito bula de não adesão à prescrição médica admitida como um mal indesejado, bem como a expectativa  fantasiosa sobre um bem desenvolvida por hipocondríacos adeptos da automedicação reforçam que o mundo real está na beira do leito.
Admite o apontado há mais de um século por William Bart Osler (1849-1919): No método da medicina que pode ser chamado de natural, o estudante começa com o paciente, continua com o paciente, tendo o paciente como texto, pois o melhor ensinamento é aquele veiculado pelo próprio paciente. Na contemporaneidade da medicina, vale cada vez mais para conhecer a pluralidade comportamental do ser/estar/ficar paciente .

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