É estado de ânimo profissional que possibilita a expressão do poder integrador e nutrício da Bioética, útil e eficaz para minimizar efeitos indesejados das relações de poder, deixando evidente que nenhum poder subsiste sem possibilidade de oposição, sem que seus efetores tenham a capacidade de suportar resistência. Na ausência da chance de algum grau de oposição, o poder não adquire a legitimidade para ser experimentado como realidade. A antinomia “congênita” desde Belmont entre beneficência e autonomia, em que o poder desta faz o paciente resistir -não consentimento- ao poder do estado da arte, é ilustrativa. O poder “hereditário” do diagnóstico diferencial é autoexplicativo.
Este contexto do exercício profissional que acolhe inexistência de risco zero de adversidade, certa proporcionalidade entre inovação beneficente e adversidades do uso, combinações de quero/devo/posso? sobre intenções de não maleficência não são certezas de não malefícios, e afirmar beneficência sempre deixando um porta de dúvida entreaberta para a escuridão do desconhecido/acaso/inevitável do malefício, confere valor à Bioética principialista na medida que é cooperação ao médico para se conformar com sua sina de inquietação perpétua, seu fardo de jamais desconsiderar que o bem e o mal habitam seu ofício.
Aplicado como poder na atividade do Comitê de Bioética de promover maior abrangência e profundidade aos enredos dos conflitos, o principialismo, ao valorizar a convivência do bem e do mal, dos prós e dos contras, coopera para que os envolvidos entendam que o “dragão” e a “esfinge” que os atormentam e motivam a consulta não devem continuar a ser projetados como localizados em seu exterior, mas devem ser reconduzidos para dentro de si mesmo de onde, aliás, nunca saíram de fato.
O consulente do Comitê de Bioética, ele próprio agora melhor orientado pelo Comitê de Bioética a respeito de relações de poder, isento de escudos de inocência, deve assumir a responsabilidade sobre decisões e bem consciente do potencial de falta de unanimidade crítica por terceiros. Significa assumir riscos das escolhas perseguindo o bem e perseguido pelo mal (bem e mal em sentidos amplos) e não “terceirizar” os ombros do Comitê de Bioética no intuito de transferir o peso decisório.
Na verdade os ombros do Comitê de Bioética servem para o dito por Isaac Newton (1643-1727): Se eu vi mais longe foi por estar nos ombros de gigantes. Em suma, o Comitê de Bioética deve se constituir num parceiro imparcial do seu consulente para análise de relações de poder e estímulo para que concentre energia bastante para se comportar como São Jorge para enfrentar dragão interno e como Édipo para decifrar enigma interno. Ah! Ia me esquecendo… Sensível ao dito por Carl Gustav Jung (1875-1961): Em todo adulto espreita uma criança – uma criança eterna, algo que está sempre vindo a ser, que nunca está completo, e que solicita, atenção e educação incessantes. Essa é a parte da personalidade humana que quer desenvolver-se e tornar-se completa.