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1222- Trans e pós-humanismo na beira do leito. Uma leitura com o apoio da Bioética (Parte 23)

Interpretações sobre calibragens entre inocuidade (não escorregável) e perniciosidade (altamente escorregável) enquadram-se no paradoxo de sorites. As indeterminações de limites incluem quando se deve considerar intervenção de tratamento ou manipulação. Exemplo, no implante de neuroprótese em criança com lesão neurológica prévia à maturidade do desenvolvimento neurológico, as duas interpretações são cabíveis em função dos resultados. Além disto, enfatize-se, um efeito dominó de consequências nem sempre previsíveis não pode ser descartado.

A consideração que inspirações para transcender limites fazem parte da condição humana de inquietude para renovar significados e que tudo pode ser pensado, teorizado e ponderado, colide, contudo, com a necessidade de o mundo real da tecnociência aplicada ter conexão com níveis respeitáveis de valores morais. Estes poderiam estar mais ligados ao que o ser humano faz do que de modo geral à espécie, vale dizer, após as incorporações do desejado/produzido pelo ser humano é que proliferam os desdobramentos de natureza moral.

Recorde-se a sequência histórica:

Brasil: Código de moral médica (1929): Artigo 75º- Ao médico é terminantemente proibido aconselhar sistemas ou processos destinados a impedir a fecundação da mulher. Poderá fazê-lo si teme que a gestação possa ocasionar transtornos graves na saúde da mulher ou determinar a agravação de enfermidades pré-existentes; mas, nestes casos o médico assistente deverá provocar uma conferência com outros colegas, com o fim de precisar a indicação e a urgência de semelhante procedimento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estados Unidos da América: INÍCIO DO USO DA PÍLULA ANTICONCEPCIONAL NA DÉCADA DE 60 DO SÉCULO XX

A ciência pôs a pílula anticoncepcional à disposição do ser humano. A partir de então, desenvolveu-se entre nós uma situação interessante: a jovem menor de idade pode realizar voluntariamente o ato que provoca a concepção e não será responsabilizada caso ocorra gravidez, contudo, é considerada incapaz cognitivamente para tomar a decisão de tomar a pílula (embora com a possibilidade de ser avaliada como uma adolescente amadurecida).

Brasil: Código de Ética Médica (2018): Art. 42:  É vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método.

O contraceptivo oral dado o impacto revolucionário desta tecnologia na separação da sexualidade da reprodução na vida das mulheres pode ser apreciado como um dos ícones do pós-humanismo do século XX em função do seu impacto tecnológico sobre a sexualidade e reprodução, contexto de liberdade e alinhamento a movimento feminista.

Como se diz, a necessidade é a mãe da invenção, um otimismo que é um clássico afirmativo do progresso, mas que pode resultar em bem ou em mal. Fica a sensação da tecnologia como um “doping” conveniente no contexto do humanismo, um plus de rendimento para além do natural humano que se pretende que aconteça conjugado a bons valores morais.

Dúvida recorrente no campo da saúde é sobre o grau de certeza sobre entrelaçamentos de sentidos desejáveis entre aperfeiçoamento tecnocientífico e atribuição do valor moral. A convergência parece mais factível no âmbito da prevenção de doenças, ou seja, quando o objetivo é mais íntimo do sentido da biofilia, da atração pela vida, da perspectiva da imortalidade.

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