Já transumanismo refere-se ao potencial de transformações visando a obtenção de superações de deficiências da existência humana que se vive com continuada plausibilidade. Ele pega carona no humanismo, acresce o prefixo e dispõe-se ao evolutivo (o ser humano que está vindo a ser). Algo que faz lembrar o Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes (1913-1980): Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure.
O transumanismo pode ser visto como um movimento cultural que objetiva empoderar e aperfeiçoar o ser humano, fisica e intelectualmente, por meio da tecnociência. Ele acolhe mudanças com a finalidade da superação e da reconfiguração preservando certa moldura de preservação antropocêntrica. Admite uma não estagnação por passo-a-passo atrelada à linha de pensamento que o ser humano obriga-se a uma continuidade de evolução.
O transumanismo admite uma conotação de ideologia e o conjunto de argumentos tece uma colcha de retalhos costurados pelo fio do desejo humano por mais capacidades. O desejo que obriga a um dever e a uma aquisição de direito. Uma costura de aspirações (aprimoramento ou supressão genética, resistência a etiopatogenias) e de decisões (submissão à nanotecnologia, migração espacial). Absorve percepções sobre bem ainda não possuído, como saúde permanente, e sobre mal a ser eliminado, como o envelhecimento e a doença. Traz à tona, a imagem de um corpo ideal moldado pela inteligência via tecnociência.
Assim, enquanto o transumanismo compartilha com o pós-humanismo a convicção que o conceito de humano não é um adequado normativo, que atinge, regula e guia ações sobre todos os que se encontram em mesma situação e assim, torna o ser humano aberto a transformações pela tecnociência, ele diverge por enfatizar o potencial da tecnologia para incrementar os desempenhos, ao passo que o pós-humanismo hierarquiza a desconstrução de quaisquer limites que tolham a liberdade de frequentar uma disruptiva ilha da Utopia com startups altamente imaginativas.
A Bioética da Beira do leito reconhece que as originalidades associadas ao transumanismo trarão novos referenciais “pé no chão” aos percursos vindouros do Homo sapiens desafiando o pensamento crítico que ora prezamos e hierarquiza a humildade anti-idolatria, o antifanatismo, a antionisciência e a antionipotência.
As perspectivas de metamorfoses preveem fortes transferências do narcisismo para a técnica com alto potencial de posturas de superioridade profissional (autoinflação do ego, o que é habitualmente tendencioso no dizer de Erich Fromm). O transumanismo potencializa o paradoxo do narcisismo, ou seja, a visão de imperiosidade para a humanidade convive com uma representação de ameaça.
É visível num exercício atual de peneiração de prós (bem para a espécie) e contras (mal para a espécie) acerca do aperfeiçoamento humano pelo transumanismo uma forte influência da fundamentação consequencialista – ênfase na felicidade, por exemplo. Refere-se ao entendimento que os riscos de adversidades- e suas efetivas realizações- seriam, na verdade, instâncias de investimentos. Traz, pois, analogia com o pensamento médico com viés pela Bioética que qualquer beneficência é indicação com grau baixo, moderado, alto de risco, inclusive, considerando que, muitas vezes, conclui-se pelo risco proibitivo (contraindicação).