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1190- O novo normal-imperfeito (Parte 2)

Bioamigo, médico- e profissionais da saúde em geral- habituam-se a novos normais desde a formatura. Eles permanecem tão arraigados na roda viva das transformações que nem se dão conta desta denominação cabível. Utilizam, tradicionalmente, a designação de atualização profissional. Assim, registra-se no Princípio fundamental V do Código de Ética Médica 2018: Compete ao médico aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade, uma redação criada na edição de 1988.

Nos meus 54 anos de médico, convivi com dezenas de novos normais laborais, cada qual trazendo o potencial de uma melhor medicina, avanços mantidos com mínimos recuos. Imagine, bioamigo, o peso dos novos normais representados pela ecocardiografia, tomografia, ressonância magnética, transplantes, classes de fármacos que passei a utilizar com evidente beneficência sem ter tido nenhuma menção deles durante a graduação. A segunda metade do século XX tornou-se uma verdadeira pandemia de métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos contagiantes, transformados em endêmicos.

A representatividade do novo normal fica clara no personagem  Rip Van Wickle criado por Washington Irving (1783-1859) que retorna a sua aldeia após 20 anos de um sono continuado. Pela transição continuada, a renovação exige do médico jamais “dormir no ponto”.

Crédito: https://hudsonvalleyone.com/2016/10/27/rip-van-winkle-the-local-and-mythic-roots-of-irvings-timeless-tale/

De fato, bioamigo, podemos considerar pela história da medicina que a sucessão ininterrupta de novos normais que se incorporaram às rotinas foi alavancada a partir da transição do século XIX para o século XX. Rotinas diagnósticas, terapêuticas e preventivas modificaram-se rapidamente umas atrás das outras a reboque do progresso tecnocientífico e de decorrências de variações de visão e de comportamento da sociedade.

Se tomarmos como referências Hipócrates (460aC-370aC), Galeno (129-199) e  William Bart Osler (1849-1919) podemos entender que há uma base de normalidade praticamente imutável sobre a qual as novidades se sucedem. Uma das missões da Bioética é justamente debruçar-se sobre realidades e potencialidades de novidades e inovações sempre atento aos alicerces considerados imutáveis.

Bioamigo, quando me formei dependia do livro para me atualizar. Hoje, o livro de medicina perdeu espaço, embora conserve seu valor de comunicação inter pares. Gosto de rever meus livros que me deram sustentação pós graduação, ajuda a refletir sobre a maneira como devemos enxergar a permanente evolução da medicina, facilita dimensionar a grandeza do que temos em mãos e permite reforçar o caráter contingente do up to date. 

Bioamigo, pegue na sua estante um livro contemporâneo a sua formatura ou faça uma revisão comparativa dos Códigos de Ética Médica brasileiros e perceberá nitidamente como há normais caducados. Robustece a habitualidade do novo normal recorrente na medicina e profissões da saúde. Na verdade, o novo normal é um objetivo de aperfeiçoamento.

A Bioética da Beira do leito enfatiza que convivemos com normais imperfeitos numa constante busca pela perfeição, um termo sempre almejado a cada novo normal, nunca alcançado justamente pelas imperfeições. Como dito por Salvador Dali (1904-1989) não tema a perfeição, você jamais entrará em contato com ela.

Os médicos – e os profissionais da saúde em geral – sorrateiramente ou “em surtos” (como na COVID-19) sujeitam-se às diversificações de um modo natural, intrínseco a sua visão profissional. Eles exibem grandiosa capacidade adaptativa de suas habilidades em consonância com cada edição de novo normal.

A literatura médica é a fonte áurea convencionada para promover os ajustes numa configuração global  com peculiaridades regionais. Credita-se  ao Medical Essays and Observations o pioneirismo de uma revista de medicina em 1731 na Escócia. No século XIX, aconteceu a primeira publicação médica do Brasil, a Gazeta Médica da Bahia.

A dupla tarefa de desenvolver-se e manter-se neste “moto continuum” exige fortes alicerces cognitivos, por isso o valor da Bioética para prover instrumentos de organização transdisciplinar que possibilitem lidar de modo qualificado com as exigências- sempre  múltiplas- dos novos normais imperfeitos.

Pensar, sentir, aplicar através e além das disciplinas abre a racionalidade, aprimora a objetividade e inibe o formalismo excessivo, pois um determinado conhecimento ganha apoio de outro de distinta natureza. Por isso, a prática da transdisciplinaridade afigura-se como a vara de equilíbrio do artista que percorre uma corda bamba sem certeza sobre o comportamento da rede abaixo.

O Brasil é imenso, o quinto em extensão territorial com uma rica história sobre as expansões desde o então pré descoberta Tratado de Tordesilhas (1494) e as heterogeneidades de ecossistema são bem conhecidas com fortes repercussões na interação entre bióticos e abióticos ligados à saúde, tanto em locais com alta densidade demográfica, quanto em recantos longínquos. Observam-se distintas calibragens das imperfeições das referências de cada novo normal. Além de tudo, há particularidades especialidade a especialidade. Em suma, vontades mil, garantias nem tanto  sobre realizações da perspectivas renovadas.

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