Tarefas continuadas, paciente após paciente, diagnóstico, terapêutica e prevenção na beira do leito segundo o estado da arte e a excelência profissional dependem da aplicação ética de métodos qualificados como beneficentes para a saúde do paciente.
Todas planificações e execuções contém, contudo, inevitável potencial de risco de adversidades. Efeitos indesejados ocorrem em níveis de gravidade clínica e de interferência no benefício, inclusive extremos de o anular e de provocar a interrupção da realização.
Cada paciente costuma dar uma classificação muito pessoal às informações recebidas sobre as possibilidades de malefícios da pretensão beneficente. Frequentemente, observam-se divergências com a visão do dano na comunicação comandada pelo médico.
Qualquer palavra, qualquer frase, qualquer entonação do médico- e do profissional da saúde em geral- são matérias-primas para reações do paciente sob justificativas personalizadas e fortemente influenciadas pela verdade que é do conhecimento e pelo valor que é do desejo. Uma anamnese pode conter indagações do médico que causam desconforto ao paciente, a revelação do prognóstico pode causar um nocaute emocional, a realidade de um mau resultado terapêutico pode trazer desesperança.
Ademais, um exame físico pode provocar dor ao paciente, exames complementares convivem com claustrofobia na ressonância, prejuízo funcional de rins por uso de contraste, adversidades por irradiação, um tratamento associa-se a toda uma bula de efeitos indesejados, uma prevenção vacinal admite reações sistêmicas.
Chamamos de iatrogenia zero. Beneficências carregam maleficências. O paciente tem o direito de escolher proporções das potencialidades, há quem se preocupa demais, há quem nunca se preocupa e há os que têm preocupações seletivas.
O encontro do médico com o paciente na medicina de hoje se dá com expansões e limitações de aplicação de métodos que recomendáveis pela medicina devem ser aplicáveis à individualidade do paciente e filtrados pelo Sim ou Não da voz ativa do paciente no processo de tomada de decisão. Em suma, aplica-se o consentido pelo paciente, não se aplica o não consentido.
A laboriosa dinâmica parte da existência de algo a ser aplicado como tecnociência validada e disponível para as necessidades de saúde do paciente, o que se tornou possível pelo acelerado progresso a partir do século XX. A memória sobre as dúvidas das implantações e as realidades das realizações recomenda que toda oportunidade de atuação precisa ser apreciada com prudência por mais que ocorra uma rápida associação rotineira entre diagnóstico e terapêutica. Esta virtude é um dever profissional tradicional.
O direito a consentir ou não ao proposto pelo médico em função do princípio da autonomia deu ao paciente o ensejo de participar dialogicamente sobre as concepções e as análises da situação específica, especialmente sobre o que pode vir a acontecer como efeitos indesejados transitórios e permanentes. Em outras palavras, o exercício da prudência como condição aconselhadora foi expandida para o paciente, permitindo exteriorizar juízos de cuidado sobre si mesmo em meio a esclarecimentos. A bula de um fármaco funciona como um informal termo de consentimento de si para si e que pode motivar a revogação do consentimento dado ao médico por ocasião da prescrição.
O compartilhamento da prudência na conexão médico-paciente amplia o processo de deliberação sobre o que seria bom ou mau circunstancialmente para o paciente, alarga a mentalização de uma fidelidade ao futuro que se pretende o melhor possível embora arriscado a incertezas, acasos e desconhecidos.
A Bioética da Beira do leito enfatiza que a beira do leito contemporânea testemunha a comparticipação médico-paciente de cautela sobre como escrever o futuro tomando decisões tanto beneficentes quanto paliativas e enfrentando riscos. O médico entra com o conhecimento -teoria e prática- e o paciente entra com desejos, preferências, objetivos e valores. Idealmente, os cenários compõem recomendações tecnocientíficas admissíveis que se postam em feedback com o senso decisório do paciente. Vaivéns acontecem com frequência e ajustes resultam.