Vocês imaginariam um Hipócrates “comerciante” que tivesse transmitido à posteridade: “… Utilize-se do nosso melhor atendimento, beneficie-se da nossa melhor formação profissional, resultados seguros com qualidade, melhor preço, melhores condições de pagamento, sua satisfação ou o dinheiro de volta!… Pois é, ultrapassa o limite da imaginação!
Hipócrates foi MÉDICO e, muito embora nunca seja chamado de Dr. Hipócrates, uma distinção da imortalidade, o respeito ao seu legado de Ética inspira: “… Numa sociedade consumista, na qual valores, infelizmente, se diluem, a medicina deve atuar como guardiã de princípios e valores, impedindo que os excessos do sensacionalismo, da autopromoção e da mercantilização do ato médico comprometam a própria existência daqueles que dele dependem…”. Este texto faz parte da apresentação do Manual de publicidade médica, Resolução CFM nº 1.974/11, pelo Conselho Federal de Medicina em 2011 http://portal.cfm.org.br/publicidademedica/arquivos/cfm1974_11.pdf.
Dentro do espírito hipocrático, há cerca de 80 anos, a coibição da auto-promoção e do sensacionalismo já era alvo do Código de Deontologia Médica (1931) num Capítulo sobre Manutenção da Dignidade Profissional. Orientava-se o médico a sempre ajustar sua conduta às regras da circunspeção, da probidade e da honra, constituindo atos contrários à honradez profissional e, em conseqüência, condenados pela Deontologia Medica: solicitar atenção publica por meio de avisos, cartões particulares ou circulares em que se ofereça a pronta e infalível cura de determinadas moléstias; exibir, publicar, ou permitir que se publiquem em jornais ou revistas não consagradas à Medicina, casos clínicos, operações ou tratamentos especiais; exibir ou publicar atestados de habilidade ou competência e ufanar-se publicamente do êxito obtido com sistemas, curas ou remédios especiais.
Desta forma, semeou-se que publicidade em causa própria difere de propaganda de idéias de interesse coletivo. Uma coisa é o médico fazer publicidade acerca do método que aplica para que o paciente deixe de fumar, o que pode embutir uma vantagem econômica para si, outra coisa é o médico propagar a conveniência do abandono do cigarro para a saúde de todos, isenta da citada vantagem pessoal.
Destaco o ítem g) do art. 3º do Manual de publicidade médica recente: É vedado ao médico expor a figura de seu paciente como forma de divulgar técnica, método ou resultado de tratamento, ainda que com autorização expressa do mesmo, ressalvado o disposto no art. 10: Nos trabalhos e eventos científicos em que a exposição de figura de paciente for imprescindível, o médico deverá obter prévia autorização expressa do mesmo ou de seu representante legal.
E relembro dois artigos do Código de Ética Médica vigente:
Art. 73 – É vedado ao médico revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente.
Art. 75 – É vedado ao médico fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com autorização do paciente.
Verificam-se duas atitudes em relação à Autorização pelo Paciente. Na primeira, ela justifica revelar fato e na segunda, ela não justifica expor a figura do paciente ou contar o caso identificado, exceto num ambiente científico, como reuniões clínicas, a fim de permitir melhor análise pelos participantes ou em Jornadas científicas pelos objetivos instrutivos.
Assim sendo, uma autorização do paciente para a quebra do sigilo profissional não deve ser um “cheque em branco” a ser preenchido pelo médico para quaisquer propósitos. A solicitação ao paciente ou o atendimento a uma proposição do mesmo para a revelação subentendem uma prestação de serviço ao referido paciente, o envolvimento de um interesse específico do detentor do fato que faz consentir na veiculação pelo médico. Um fato pressupõe uma particularidade do caso, não o todo. É uma informação reduzida que não se presta a generalizações na abdicação pelo paciente do direito ao sigilo profissional.
Na eventualidade, por exemplo, de um paciente internado solicitar ao seu médico expor o prognóstico da situação clínica ao advogado do mesmo, trata-se de um fato “de propriedade do paciente” e cuja revelação direcionada é do interesse do paciente preocupado com o futuro da família, assim satisfazendo o artigo 73 do Código de Ética Médica vigente, cuidando-se para ter certeza de que o paciente está capaz e para o devido registro em prontuário.
Pelas normatizações, já uma eventual autorização do paciente para que o médico individualize o seu caso na mídia não tem conformidade com a Ética Médica. É a situação, por exemplo, da citação “consentida” que sai da boca do médico sobre um atendimento a uma figura pública, o que caracterizaria autopromoção, intenção de angariar clientela e fazer concorrência desleal. Narcisismo desrespeitoso a Hipócrates.
Finalmente, parece útil pela ênfase no sigilo profissional, repercutir o cunho pedagógico dos artigos 74º e 75º do Código de Deontologia Médica de 1931:
Artigo 74º- O segredo pode ser recebido sob duas formas: o segredo explícito, formal e textualmente confiado pelo cliente; e o segredo implícito, resultante da própria natureza das relações dos clientes com os profissionais da medicina. Ambas as formas do segredo são invioláveis, à exceção dos casos especificados em lei.
Artigo 75º- Aos profissionais da medicina é proibido revelar o segredo profissional, fora dos casos estabelecidos pela Deontologia Medica. Não é necessário publicar o fato para que haja revelação; basta a confidencia a uma pessoa isolada.
Talvez não seja equivocado dizer que todos nós damos umas “escorregadas” em relação ao sigilo profissional, no dia-a-dia. Conversas entre médicos constituem “cascas de banana”, por exemplo: “… Sabe, ontem eu atendi àquela celebridade, o Fulano, você conhece né? Fiz o diagnóstico de Dengue, já tinha passado por outros 2 colegas, que não suspeitaram…”.
Fatos são fatos, os do atendimento ao paciente são sigilosos, e isto independe do puro desejo do médico. Pois é do juramento: “… Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto…”.