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1175- Sem dúvida, temos dúvidas (Parte 14)

A iniciativa pelo jovem médico de me procurar reforçou o meu compromisso comigo mesmo a respeito da utilidade do blog, que tenho um contrato oculto de mútuo respeito com o leitor que desejo que seja renovado ao final de cada leitura. E mais, que priorizar a abordagem de temas do cotidiano, mesclando sempre que possível Bioética e Clínica, é útil para o complexo profissionalismo na beira do leito de nossos dias.

A Bioética da Beira do leito distingue que a ciência tem evidências e que a ética tem razões justificadas, o que significa que divergências éticas representam preferências independentes. Há uma Bioética de Todos Nós, os profissionais da saúde de maneira geral exercitam Bioética em seus cotidianos, embora sem etiquetarem como tal. Por exemplo, quando praticam os princípios da  beneficência e da não maleficência nomeiam como relação risco/benefício, desta maneira dando uma formatação clínica (como entendem as circunstâncias do caso) sem perceber-se que atua como  um agente moral que cuida de um ser humano com prudência.

Ao longo da reunião – logo transformada em conexão produtiva-, o agora ainda mais colega demonstrou paixão pela especialidade médica que começara a abraçar, embora lamentasse o fatalismo- fazer o quê?- de ter de abandonar a prática da mais pura atenção primária à saúde. Ele escancarou uma formação humanística elogiável, atributo que certamente acentuou o interesse mútuo pela interlocução. É gratificante quando podemos fazer o tempo quantitativo do relógio um bem qualitativo, um usufruto que é sempre desejável dada a  inexorabilidade do tempo. Retroceder no tempo  só  é possível quando, pela Terra ser esférica, atravessamos a Linha Internacional da Data do leste para oeste na Oceania, voltamos um dia no calendário, o que aliás é uma ilusão verdadeira, à semelhança que o sol nasce e se põe, porque vemos. Como já foi dito sobre a continuidade inabalável do passar do tempo, cuide dos momentos e a soma o retribuirá.  Curiosamente, a palavra-chave tempo expandiu-se rapidamente entre nós.

Na contemporaneidade deste início do século XXI em que nós não temos o tempo, mas é o tempo que nos tem, é sempre bom despendê-lo tendo em mente a afirmação do político John Randolph of Roanoke (1773-1833) : O tempo é simultaneamente o mais valioso e o mais perecível de todas as posses.

Por isso, o valor de esforços para se evitar a perda de tempo, o desperdício de uma parcela da própria existência. A Bioética da Beira do leito chama a atenção para o tempo como ganho,  por exemplo, no seu dispêndio para esclarecimentos ao paciente. É uma benfeitoria do tempo como patrimônio individual do profissional da saúde dedicado ao paciente e merecedor do máximo de atenção por ser irrecuperável – um segundo já é bastante para tal-, inacumulável- impossível uma poupança de minutos para uso futuro-  e insubstituível- bioamigo, certamente você terá seus próprios exemplos, quem sabe alguns do tipo só me arrependo do que não fiz. É triste trocar uma expansão do tempo para apoiar de perto o paciente por uma concisão escrita pelo objetivo de uma assinatura. Aplausos para os profissionais da saúde que continuam valorizando o diálogo com o paciente apesar da falta de tempo.

Há várias formas de compreender o tempo, inclusive as reservadas para gênios, como a que assegura que o gêmeo univitelino que viajar pelo espaço na velocidade da luz  retornará mais jovem do que o irmão que ficou em casa, um passeio como elixir da juventude. Como a condição de gêmeo foi somente para facilitar a comparação, que acha da ideia bioamigo?

No ecossistema da beira do leito a movimentação costuma ser relativamente lenta e, por isso, os intervalos de tempo entre dois eventos podem ser cronometrados, comparados e interpertados coma a ajuda do bom senso. Assim, o exercício profissional na beira do leito lida com o tempo absoluto, deixa a relatividade para o espaço sideral: o agendamento dos pacientes neste ambulatório obedece a intervalos de 30 minutos; momento da anamnese, momento do exame físico; há quanto tempo iniciaram-se os sintomas?; tome o comprimido de 12/12 horas; o efeito vai ser sentido após 48 horas; aguarde duas horas do almoço para ir à academia de ginástica; o exame de imagem dura 45 minutos; retorne em 10 dias para reavaliação clínica. Se prestarmos bem atenção cada item apresentado não permite estabelecer com precisão se cuida ou do passado, ou do presente ou do futuro. A beira do leito trabalha com a continuidade, pois, mesmo longe do paciente, persiste, por exemplo, a responsabilidade prescritiva do médico pela conduta durante os 10 dias até o retorno, que não discrimina entre anteontem, ontem, hoje, amanhã e depois de amanhã.

Não há (boa)medicina sem o apoio do relógio, o bioamigo bem sabe. Alternamos estamos atrasados, estamos adiantados, precisamos correr, esperemos, vamos mais devagar… várias vezes ao dia em nossas obrigações profissionais. Até relógio de ponto nos controla.Médico relogio

O jovem médico entendia que os ponteiros do relógio da beira do leito tinham que ser vetores para o bom uso, transparecia repugnância ao mau uso do tempo, incluindo a troca de momentos diagnósticos. De certa forma endossava Moshe Ben Maimon (Maimônides, 1135-1204): Na medicina, a reflexão e a deliberação devem preceder à ação.

No contexto da conexão com o paciente em relação ao conflitos com supervisores temia decepção/frustração/rancor. No fundo receava que uma sucessão de momentos de contenções profissionais surgissem inevitáveis e por isso, o seu modo pessoal de ser seria violentado e não mais sob supervisão da pós-graduação. Havia certa ambiguidade, porque ele falava de si, insistia na subjetividade mas evitava tocar no que resultava efetivamente do cumprimento das ordens da supervisão, embora a contragosto, em nenhum momento exemplificou com fatos reais, objetivos.  Concordei que o que hoje parece irrazoável pode virar inevitável amanhã. Como ele parou para pensar, acho provável que tenha entendido a mensagem.

O jovem médico manifestava uma luta interna, mas sem imaturidade pessoal, qualquer imaturidade era profissional relacionada ao noviciado. Ele argumentava razoavelmente bem sobre as contraposições entre seu interior e o mundo real, desenhava de modo adequado sobre o que  lhe apresentava. Aplicava a si próprio uma justa medida qual defendida por Aristóteles (384 ac-322 ac), ou seja, tratava as desigualdades sentidas respeitando uma proporção entre as mesmas.APF1

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