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1165- Sem dúvida, temos dúvidas (Parte 4)

Lucio Anneo Seneca (4 ac- 65) entendia que mesmas pessoas são propensas a envolverem-se tanto com a maior virtude quanto com o mais deplorável vício por razões do destino, há um incondicional que faz com que ninguém seja efetivamente dono de si.

Frente aos desejos e sentimentos que se sucedem, as pessoas precisam de ajuda para orientarem-se pela razão, o que indica que é necessário termos um domínio sobre nós mesmos apesar das propensões, uma mente convicta sobre como navegar de acordo com o tipo de oceano destinado.

No intuito de privilegiar virtudes e até mesmo suavizar vícios, embebidos num sentido figurado, focando na obrigatoriedade de cursar uma rota entre medicina e paciente e disposto a afiançar-me agente moral da conexão, a literatura ajudou-me  a conhecer e reconhecer exemplos, os essencialmente bons e maus.

O termo ajuda subentende contar com bons influxos. Influenciado pelo didatismo sobre o significado de opostos graças à imersão infantil em contos de fadas antes do adormecer diário – mãe-madrasta, bom-perverso, segurança-perigo-, passando pelo culto juvenil do herói e indo até o interesse mais tardio pelas lideranças históricas, para mim, Hipócrates (460ac-370ac) sobressai exemplar entre os Grandes Homens da História Universal.HipocrtaesCos Lembrando o Soneto da Fidelidade de Vinicius de Moraes (1913-1980): Que não seja imortal, posto que é chama, Mas que seja infinito enquanto dure, Hipócrates encaixa-se por uma  supressão do não proporcionado pela adjetivação de permanente da chama e traz que o definitivo é possível para a última estrofe.

Um pequeno busto de mesa adquirido na sua Grécia natal, embora saiba que é uma representação fictícia de sua real aparência, auxilia-me a fixar os olhos e sentir-me confortável para me inspirar e facilitar movimentações do pensamento. Hipócrates sobrevive, alimenta, é memória, é criação. Hipócrates é um bioamigo emérito.

Herói é um termo vagoHipo e Hipócrates nele se encaixa de modo consistente tanto pelo pensamento quanto pela atuação histórica que influenciaram a humanidade. Um eterno, posto que sem fim. Pode ser considerado um homem-época pelo que foi como pessoa e pelo que é creditado como efetiva realização. Ele doou qualidades como matérias-primas – incluindo destemor, inteligência, criatividade e independência.

Hipócrates como exemplo reforça o que nos ensina Yuval Noah Harari (nascido em 1976) em Sapiens. Uma breve história da humanidade: O avanço da ciência deve-se à conscientização de que os humanos não têm as respostas para suas perguntas mais importantes, o que hierarquiza a ignorância como fonte inspiradora da busca do conhecimento.

Hipócrates face a uma consciência social modificou as relações originais do que poderia ser chamado de medicina. Imagino que a prescrição dos deuses até então, seja lá o que acontecia, CRM mais para Conselho Regido pela Metafísica, gerava uma expectativa de realização que apostava no que hoje entendemos por efeito placebo. Não era bastante e o prescrito foi proscrito.

Hipócrates preservou o reforço positivo na aplicação da restrita composição terapêutica que possuía. Era essencial, face à escassez e pelo entendimento vigente na população que a enfermidade tinha causa supernatural. Assim, provocar um efeito pelo ato do uso, não pelas propriedades inerentes ao usado, poderia beneficiar situações mais simples, a reboque de informações apresentadas ao paciente e de atitudes empáticas que adquiriram natureza profissional. Este efeito do sugestionamento é muito antigo na humanidade, por exemplo, o papiro de Ebers do Egito de cerca de 10 séculos antes de Hipócrates registra a recomendação de doentes ingerirem fezes pois, assim, afastaria os maus espíritos.

A rotura com os deuses tornou-o um santo. O dicionário endossa. Cuja conduta serve de exemplo e modelo é uma das semânticas de santo registradas.

O afastamento dos deuses requereu coragem criativa, aliás muita, face à intensidade da mudança. E, indiretamente, estimulou a coragem criativa dos discípulos, pois ao apreciarem o trabalho do mestre certamente exigiam-se uma sensibilidade que motivava novas formulações. O envolvimento criativo dos médicos registrado ao longo da história, essência profissional de inovações e novidades, bem como aquele que ao nosso tempo testemunhamos é, pois, um legado hipocrático, vale dizer, a contínua criação da consciência de ser, estar e ficar médico.APF1

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