É missão do médico por meio de sua linguagem conectar o exterior tecnocientífico ao interior do paciente, o que inclui os objetivos de reduzir multiplicidades a unidades bem como simplificar complexidades. Trata-se do significado resumido do esclarecido ao paciente constante no título do termo de consentimento. Como já acentuado, dificuldades naturais de linguagem tendem a uma recepção superposta do que é do médico- preocupação com a prudência, por exemplo- e do que é da medicina – limitações dos métodos, por exemplo.
Pelas chances desta confusão, a Bioética da Beira do leito adverte sobre o paradoxo de a medicina carregar uma conotação de adversária do médico. Parece estranho, bioamigo, mas este risco sobre a aplicação da medicina traz o temor que provoca atitudes defensivas do médico.
O terrível receio que uma adversidade faça supor associada a uma atitude anti-ética. O termo de consentimento não deve ser, evidentemente, uma mordaça contra eventuais protestos do paciente. Mas precisa ficar claro que medicina é esperança no futuro e como tal não pode ser reduzida a uma exposição de liberações possíveis do conteúdo da caixa de Pandora na beira do leito.
As entrelinhas de termos de consentimento tentam fazer a distinção, mas a intenção pelos detalhamentos acabam direcionando as leituras – na verdade uma releitura interpretativa- para as referidas superposições.
Não é fácil pretender normatizar o futuro, conhecer exatamente o que está por vir, sabendo que a medicina lida com prognósticos do amanhã em função do hoje. Dogmas (sobre verdades) e profetismos (sobre valores) não se aplicam com exatidão a bens e a males terapêuticos, seriam idealizações quando o que cabe são realizações sob muitas influência previsíveis e imprevisíveis.
A Bioética da Beira do leito alerta para o viés defensivo resultante do apavoramento de ouvir o doutor não me preveniu sobre esta possibilidade adversa. O objetivo primário de passar as informações pelo filtro dos desejos, preferências, objetivos e valores do paciente e assim certificar-se que aquela medicina recomendada está autorizada a ser aplicada porque é sentida como válida para si, após a metabolização compreensiva, hierarquizou-se em registro de estou ciente que a atuação do médico em nome da medicina pode me fazer sofrer, pode me aleijar, pode me matar, pode me convocar compulsoriamente para uma pesquisa. Segurança para quem?
Desta maneira, fica prejudicado o conceito fundamental que o médico está ligado ao efeito porque é o prescritor-aplicador, mas não é a causa dos efeitos, pois, em ausência de imperícia, imprudência (de desconsiderar a não maleficência, por exemplo) e negligência (de desconsiderar a beneficência, por exemplo)- altamente majoritária- a evolução boa ou má depende da reciprocidade entre paciente e medicina.
Em outras palavras, o médico não é responsável por adversidades quando cumpre a ética, mas mantém responsabilidade pela condução dos acontecimentos.
A Bioética da Beira do leito reforça que o médico não tem como envolver-se com a doença do paciente a não ser pela medicina. Como seu agente moral, ele influencia a maneira com que a medicina pode impactar no paciente, quer pela empatia, quer pela cautela prescritiva, quer pela atenção evolutiva.
A aplicação do princípio da autonomia deve fazer expressar em primeiro lugar a vontade do paciente em si em relação à ordem definida das providências cogitáveis. O ato do consentimento, evidentemente, olha para o futuro e a sua memória olha para o que vai ficando passado. Entretanto, o presente é o tempo com maior representatividade humana. Por isso, a Bioética da Beira do leito adverte que o presente da medicina ética não pode evitar que o conhecimento transmitido ao paciente para fins do consentimento não seja sempre parcial, relativo e provisório, razão do compromisso sempre renovado com o empenho de fazer o bem melhor para o paciente.