A efetiva participação verbal do paciente significa que seus desejos, preferências, objetivos e valores devem constituir -se matérias-primas essenciais no processo de tomada de decisão sobre condutas de interesse da própria saúde.
Subentende-se indiscutível que o paciente é livre para manifestar exatamente o que pensa acerca de fatos e dados que lhe dizem respeito, quer os por ele percebidos, quer os revelados pelos profissionais da saúde. Trata-se de liberdade teórica que é reproduzida no Art. 24 do Código de Ética Médica (2018): É vedado ao médico deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. Garantir ao paciente a manifestação íntima ao seu modo é, pois, dever de agente moral pelo profissional da saúde. Demanda a conscientização e treinamento em serviço.
Em função da condição humana plural, todavia, a beira do leito contemporânea testemunha assintonias de expressão entre a profundeza às vezes sombria dos desejos e preferências do paciente e sua superficialização muitas vezes sob máscaras na verbalização ao profissional da saúde, ou seja, falta da transparência na manifestação do que de fato ocorre no íntimo.
Habitual discrepância entre o eu para mim, paciente e o eu para você, profissional da saúde é o humano desejo de longa vida e o comportamento do paciente de manter o consumo de um maço/dia de cigarro. De modo mais dissimulado ocorrem desacordos entre livres pensamentos do pacientes que no fundo, por exemplo, não pretendiam se submeter e a falta de liberdade prática para assim decidirem face às realidades do que lhe aflige, aos alertas das recomendações tecnocientíficas e às vigilâncias familiares, íntimas e intimidadoras. É questão que envolve discussões históricas sobre o significado de autodeterminação da pessoa, integridade moral e o par motivador porque e para que?
Decorre um importante aspecto da conexão médico-paciente: quando é que o paciente agora com o poder de decidir de fato trabalha sua decisão revirando pelos vários ângulos- alto nível de participação ativa- e quando é que, tão somente, emite uma concordância sem maior análise- baixo nível de participação ativa.
Por isso, referir-se à voz ativa do paciente na beira do leito oscila entre um reducionismo ao ato da verbalização das palavras Sim ou Não (Sim é Sim e Não é Não) – é o que importa para o próximo passo- e uma amplificação sobre o que as gerou, maior extensão de como as matérias-prima foram combinadas, dialogadas, ajustadas, o que ocorre masi frequentemente em torno de um Não.
Em outras palavras, a voz ativa do paciente pode espelhar um Sim ou um Não que se faz numa dimensão real íntima de desejo, preferência e decisão acerca das potencialidades de beneficência e de maleficência bem compreendidas e bem analisadas. Mas pode refletir, também, um modo de conformismo, no fundo ele não desejaria, não preferiria, não gostaria de assim decidir, um Sim ou um Não não seria a pretensão, mas há sucumbência a forças maiores. Uma antítese da síndrome de Münchausen (Barão de Münchausen, Karl Friedrich Hieronymus Freiherr von Münchausen (1720-1797).
Não faltam verbalizações conformadas de Sim doutor compensadas por excessos de otimismo e minimizações dos riscos. É situação multidimensional que admite recalibragem da voz ativa por modificadores e vieses, mas que, do ponto de vista do valor ético da comunicação, não representam redução da legitimidade do Sim ou do Não expressos pelo paciente sob responsabilidade.
Bioamigo, a linguagem corrente na beira do leito ecos o direito adquirido pelo paciente capaz de expressar sentimentos, emoções, pensamentos, objetivos, desejos, preferências e valores em vários momentos, inclusive e especialmente em contextos em que é solicitado a responder ao médico com um Sim ou um Não. A Bioética da Beira do leito entende necessário reafirmar constantemente que o paciente leigo e ouvindo até então desconhecimentos tende a ambivalências e a indeterminações, o que pode provocar insegurança no profissional da saúde pela observação de falta de convicção na resposta. É um pisca-pisca amarelo que exige ainda muito maior atenção ética do que perante um mais garantido farol verde (Siga adiante doutor) ou farol vermelho (Pare doutor) na beira do leito.